ASSINE
search button

Via Sacra da Rocinha destaca este ano consciência política e valorização da mulher

Compartilhar

Na Sexta-feira Santa, 03 de abril, a Via Sacra da Rocinha mais uma vez toma as ruas estreitas da comunidade, reunindo moradores e visitantes, que acompanham ou participam do evento, já tradicional no local. A Via Sacra, que acontece desde 1992 na Rocinha, é uma procissão encenada da vida de Jesus, que sai do Largo do Boiadeiro, às 20h, passa pela Estrada da Gávea e chega até a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, cobrindo um trajeto de 2,7 quilômetros. O cenário é a própria favela.

A edição deste ano, a 23ª, reunirá cerca de 60 pessoas, entre elenco e produção, e costuma atrair uma multidão.  O espetáculo tem patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, e é dirigido por Aurélio Mesquita, criador da Companhia Teatral Roça Caçacultura , com texto de José Maria Rodrigues. O evento reúne, principalmente, jovens da comunidade interessados na atividade teatral e ocorre este ano dentro do Programa Favela Criativa, resultado da parceria entre o poder público e a iniciativa privada, contando com recursos provenientes da própria Secretaria de Estado de Cultura, da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, da Light, do Programa de Eficiência Energética da  ANEEL e do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID.

"A Via Sacra da Rocinha é um espetáculo que se reinventa todo ano e que sempre preza pela qualidade artística. Tê-lo como um projeto especial dentro do Programa Favela Criativa faz parte de um entendimento que a SEC tem tido ao longo dos anos de reconhecer e fomentar as expressões artísticas produzidas em nossas favelas", diz o Coordenador de Cultura, Cidadania e Juventude da SEC, responsável pela gestão do Programa Favela Criativa, Tiago Gomes.

Optando por uma transversal no tempo, além de contar a própria história de Jesus, o diretor da Via Sacra quis dar ao evento uma abordagem mais política nesta edição.  

"Este ano estamos fazendo uma crítica à nossa brasilidade fútil, que tem estado mais em foco do que as qualidades maiores do ser humano. Isso vai aparecer durante o trajeto, nos intervalos. Entre uma 'estação' e outra da Via Sacra teremos encenações como a de uma passeata, e outra em que a música 'Ouro de Tolo', do Raul Seixas, fará parte do contexto", explica Aurélio Mesquita.

Mais uma questão que a Via Sacra enfoca em 2015, segundo o diretor, é a valorização da mulher. "O texto da Via Sacra, do José Maria Rodrigues, é de uma ótica masculina. Esse ano nós substituímos a figura da Maria Madalena, que é sempre representada como uma mulher subjugada nas encenações da Via Sacra, por uma mulher comum da comunidade no seu próprio tempo. E Maria Madalena tinha um papel tão fundamental que presenciou a crucificação e a ressurreição, os dois momentos mais importantes da história de Jesus.  No espetáculo haverá mulheres em alguns papéis que eram antes representados por homens".

Jesus da Via Sacra da Rocinha

Este ano, Jesus volta a ser interpretado pelo ator Lucas Valentim, morador da Rocinha, hoje formado em Artes Cênicas na PUC/Rio. Lucas começou no grupo aos 13 anos, interpretando Jesus, e permaneceu no papel até 2011. Depois disso foi estudar direção para cinema, na Colômbia e História da Arte, na Espanha, ficando fora do país por três anos. Nas apresentações de 2012 a 2014, Jesus foi interpretado por André Martins, que continua entre os protagonistas, fazendo o papel de Caifás. Vale lembrar que, em 1995, quem interpretou Jesus foi o ator Julio Fernandes, que é negro, o que, segundo Aurélio Mesquita, motivou uma espécie de desagravo da igreja à produção do evento. Julio hoje faz o papel do Rei Herodes. De volta ao Brasil, com 28 anos, Lucas Valentim retoma para si o personagem principal, agora com um novo olhar.

"Quando retornei", conta Lucas, "minha vontade era ficar apenas trabalhando na direção do elenco, porque estava mais focado nessa atividade, mas veio o convite do Aurélio e, aos poucos, fui me vendo de novo no papel de Jesus, como alguém que tem que reunir a sua comunidade com a missão de passar uma mensagem".