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Porto do Rio: 450 anos de transformações

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No início do século 17 a região do Porto do Rio era desabitada, apenas com o mosteiro beneditino sobre o morro de São Bento, fundado em 1590. A região começou a ser povoada no século 18 entre o mosteiro e o Morro do Castelo.

Com ocupação predominante de casas residenciais até o início do século 19, o local passou por grandes transformações a partir da construção, em 1811, do Cais do Valongo, porta de entrada de mais de 500 mil africanos no Brasil, quando o porto passou a ser o centro econômico da cidade.

De acordo com o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio de Janeiro (IAB-RJ), Pedro da Luz Moreira, a primeira grande intervenção urbanística foi a própria construção do porto, em 1905, com o aterro que acrescentou 1,2 milhão de metros quadrados à cidade.

“Foi redesenhada a costa da cidade, daí surge o novo porto naquela região, é uma obra que foi muito importante porque até hoje o Porto do Rio de Janeiro apresenta um calado excepcional para a ancoragem de diversos navios, de diversos tipos de procedência”.

Outro marco importante é a construção do Edifício A Noite, na praça Mauá. Primeiro arranha-céu da América Latina, inaugurado em 1930, o prédio que abrigou o jornal A Noite e a Rádio Nacional foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há quase dois anos.

Para o arquiteto, o Elevado da Perimetral, sobre a Avenida Rodrigues Alves, que teve a construção iniciada em 1950 e o primeiro trecho inaugurado em 1960, contribuiu para a degradação da região portuária. A avenida servia aos armazéns do porto e a via expressa foi a solução encontrada para desviar o trânsito da Avenida Brasil para o centro.

“É um marco negativo para a área. É simplesmente uma arquitetura que permite uma passagem pela área e não uma permanência, como o Edifício A Noite significou, o porto significou. É uma obra 'rodoviarística' que acaba dando uma conotação muito negativa à área, porque ela não incentiva os usuários da obra que desfrutem do lugar, somente que passem”.

A partir daí e com a mudança nos portos do mundo inteiro, que passaram a utilizar contêineres na década de 1970, as instalações portuárias com grandes armazéns ficaram obsoletas e a região do Porto do Rio começou a passar por uma fase de estagnação e degradação.

“Então toda aquela região fica muito vazia, vazia de sentido, porque não há mais necessidade dos grandes armazéns, então ela fica obsoleta essa estrutura. E desde o final da década de 70 que a gente tem tentado fazer esforço para recuperar o porto do rio e só agora vem sendo efetivamente implantado”, explica Moreira.

Em 2012 começaram os trabalhos de revitalização de uma área de 5 milhões de metros quadrados. O Elevado da Perimetral veio abaixo e será substituído por um sistema de túneis. Na beira-mar, o transporte será apenas por meio do veículo leve sobre trilhos (VLT), o bonde moderno, em trajeto integrado a um grande passeio reurbanizado. A ideia é que não haja cobrança de passagem para quem usar o VLT, mas que seja voluntário, sem cobrador e com sistema eletrônico de contagem, de acordo com a boa-fé do passageiro.

Segundo a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), apesar das atenções com os Jogos de 2016, as obras do Porto Maravilha não fazem parte dos compromissos olímpicos, “trata-se de feliz coincidência” que aceleram o cronograma das obras de mobilidade. O novo sistema viário será entregue até 2016.

Até agora, já estão prontos a Via Binário do Porto e o Túnel Rio 450, inaugurado hoje (1º), que juntos têm 3,5 quilômetros de extensão. A primeira linha teste do VLT entra em funcionamento este ano e a operação plena também está prevista para 2016, bem como o passeio de 215 mil metros quadrados que vai do Armazém 8 à Praça 15, além de 17 quilômetros de ciclovias.

Na parte cultural, foi feito o restauro e ocupação do Museu de Arte do Rio (MAR) e a recuperação do Centro Cultural José Bonifácio, dos Galpões da Gamboa e da Sede da Sociedade Dramática Filhos de Talma. O Museu do Amanhã deve ser inaugurado ainda este semestre no Píer Mauá e o Aquário Marinho está previsto para o fim do ano, na Saúde.

“Ao transformar a região portuária, o Porto Maravilha traz desafio de modernizar a região e preservar sua identidade, promovendo mudanças que beneficiem os moradores e frequentadores da região”, informa a Cdurp, “com ações que integrem e promovam o desenvolvimento social e econômico da população que hoje vive na região”.

Além disso, o patrimônio histórico, artístico e cultural, material e imaterial da região devem ser recuperados e valorizados, conforme prevê a lei que criou a Operação Urbana Porto Maravilha. Ainda estão previstas a Fábrica de Espetáculos e a nova sede da Biblioteca Nacional. Quanto aos novos empreendimentos, existem 128 projetos em licenciamento, construção ou reforma na região, sendo 54 residenciais, 43 comerciais, oito culturais, nove hotéis, seis institucionais e oito equipamentos comunitários.

O presidente do IAB-RJ, Pedro da Luz Moreira, considera bom o trabalho de revitalização da área, mas pede mais incentivo para a preservação do patrimônio, que está muito deteriorado. “A parte mais antiga da cidade, que era uma parte já existente antes de 1905, envolve os bairros da Gamboa, da Providência, e que tem exemplares de arquitetura muito interessantes, eles precisam ter um incentivo maior da prefeitura para que os proprietários mantenham seus imóveis. Os usos mudam, mas é importante se preservar a feição arquitetônica”.

De acordo com a Cdurp, recursos do Programa Porto Maravilha Cultural contribuíram para a recuperação do Centro Cultural José Bonifácio (primeira escola pública da América Latina), o Palacete Dom João VI (parte do Museu de Arte do Rio) e a Igreja de São Francisco da Prainha (uma das mais antigas da cidade). E editais como o Pró-Apac Sagas destina recursos de R$ 200 mil a R$ 400 mil para o restauro de bens privados tombados ou preservados na área. Outra medida de incentivo à preservação é a remissão do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Entre os pontos da região portuária, o historiador Milton Teixeira destaca o Mosteiro de São Bento, que “tem um acervo de obras de arte que o torna praticamente no 'Louvre' colonial”, a casa onde nasceu o escritor Machado de Assis, na Ladeira do Livramento 67, e o Morro da Conceição.

“O Morro da Conceição é um conjunto muito interessante, que abarca o antigo Palácio Episcopal, a antiga Fortaleza da Conceição e o casario no entorno, que forma uma espécie de minicidade dentro do Rio de Janeiro, era como se fosse a Alfama, a Mouraria, dentro da cidade do Rio de Janeiro, um bairro antigo, próximo à zona central. Eu acho isso fabuloso e único”.