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Violência na Maré compromete até 2 meses de aulas em um ano

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A crise de segurança no conjunto de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio, fruto de confrontos sucessivos entre Exército e traficantes, está atingindo diretamente o dia a dia dos alunos das 16 escolas da comunidade. Em algumas localidades, em que os registros de ataques e trocas de tiros são mais frequentes, a expectativa pessimista é de que, até o final do ano, algumas unidades de ensino tenham ficado até dois meses sem poder funcionar.

As escolas estão sofrendo muito. Em algumas delas, como na Vila do João, a interrupção das aulas em função de conflitos, por parte do Exército e do tráfico, chegará a um mês e meio, dois meses”, alerta um dos diretores da Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Edson Diniz Nóbrega. O fato é que, ao menor sinal de conflito, as aulas nas instituições de ensino têm que ser interrompidas, para que as crianças não fiquem expostas e mais vulneráveis ainda.

Cerca de 1.500 homens do Exército ocupam a localidade, de 132 mil habitantes, desde o mês de abril. A rotina de ocupação tem tirado o sono de grande parte dos moradores, que relatam casos de abusos por parte dos militares durante abordagens de rotina e operações contra o tráfico.

Para a diretora da Redes da Maré, Eliana Silva, além das escolas, outros serviços importantes para a comunidade são prejudicados em função dos confrontos. “Os postos de saúde, os projetos sociais e um conjunto de direitos já conquistados estão ameaçados. Parece que nem existe nada (sendo feito) aqui. Essa vida cotidiana acaba sendo toda interferida por esse processo (de abusos e conflitos)”.

Esta semana, o grupo Maré que Queremos se reuniu com dezenas de moradores da comunidade. Em comum, o medo e denúncias de abusos praticados pelas forças de segurança e as consequências para a rotina na vida dos moradores.  

‘Estado de exceção’

Não bastassem as denúncias de abusos, segundo a Redes da Maré, os moradores não conseguem, sequer, sinalizações de que os casos serão investigados. A informação é de que, como o Exército está fixado na comunidade, a Polícia Civil perde autonomia para investigar os supostos abusos. “Aqui está havendo um estado de exceção. Quando um morador sofre violação, seja do tráfico ou de um militar, e o delegado diz que não pode registrar queixa porque o Exército está aqui, claro que existe uma distorção”, critica Eliana.

A diretora diz que o clima é de apreensão e de falta de entendimento básico sobre a necessidade dos moradores por parte das forças de pacificação. Ela destaca que, ao encampar uma denúncia de violação de direitos, as associações que representam os moradores não estão dizendo que há uma intenção deliberada do Exército em cometer esses abusos. “Não é isso. O que estamos dizendo é: ‘estamos preocupados, porque está acontecendo o que acontecia com a polícia’”.

Aliás, a proximidade da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora no local, em substituição ao Exército – que tem limite de prazo para atuar nessas situações – também não traz alívio. “Sabíamos que ia haver conflito, mas não no grau atual, com invasão de domicílios, agressões e revistas vexatórias. O grande medo dos moradores com a chega da UPP é esse: se com o Exército, que é teoricamente menos agressivo está assim, imagina quando a polícia entrar”, afirma Edson Diniz.

O grupo Maré que Queremos, que reúne várias ONGs que lutam pelos direitos civis na comunidade, informou que irá insistir para conseguir um encontro com representantes da Secretaria Estadual de Segurança Pública. As tentativas neste sentido já foram feitas, mas, até agora, não houve uma resposta. De acordo com o levantamento realizado pelo grupo, de abril até agora foram registradas 12 mortes na comunidade e outras 16 no entorno da Maré.

Eliana diz que a avaliação não é se piorou ou não a situação desde a entrada do Exercito no início do ano. A questão, para ela, tem que ser muito mais aprofundada. “Não é o caso de dizer se piorou ou não. O problema central é que eles (Exército) trazem a ideia de controle e repressão. E uma ação muito pouco de inteligência”, critica, destacando que as ações reais e concretas de combate ao tráfico têm pouca eficácia.

Em nota à imprensa, a Força de Pacificação da Maré nega que os homens do Exército que integram a ocupação cometam abusos. “O Disque-Pacificação, canal criado com o objetivo de receber denúncias, críticas e sugestões da população, não recebeu nenhuma ocorrência dos fatos expostos na reunião (realizada com os moradores), assim como não há registros dos fatos nos autos de prisão em flagrante delito da Delegacia de Polícia Judiciária Militar”, diz trecho da nota.