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"O melhor sinal de que a UPP deu certo é não precisar mais dela", diz sociólogo

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O secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, confirmou nesta segunda-feira (3), que continuará no cargo. Durante a inauguração da Companhia Destacada em Nilópolis, na Baixada Fluminense, Beltrame declarou: “Ainda temos algumas coisas para fazer. Há outros passos para oferecer à população. Tráfico sempre existirá. O que temos que fazer é que os territórios sejam libertados. Essa é a nossa luta”.

Em seu discurso, Beltrame afirmou que irá “reforçar as UPPs e tentar traçar novas estratégias para as unidades e a segurança pública de modo geral”. O secretário também disse que “os próximos passos da pacificação serão importantes. Estamos terminando agora um diagnóstico de todas as UPPs para fazer um redirecionamento para efetivas ações do nosso projeto”.

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Para Michel Misse, do Núcleo de Violência Urbana da UFRJ, a opção de manter Beltrame no cargo foi óbvia porque “ele é o idealizador do projeto e está alinhado com ele”. Perguntado sobre quais estratégias o estado deveria adotar para evitar que a situação de violência nas comunidades com UPPs se repita na instalação de outras unidades, Misse é crítico. “É preciso reformar a polícia. É preciso uma polícia cidadã, que trate o morador da favela de igual para igual, sem humilhações, sem abusos... É preciso que a polícia traga o morador para o seu lado. Quando isso acontecer, não precisaremos de UPPs”.

Para ele, Beltrame não terá novos desafios à frente da Secretaria. “O desafio é o mesmo. O melhor sinal de que a UPP deu certo é não precisar mais dela. A UPP existe para tratar uma situação excepcional. Não tem UPP no Leblon, em Copacabana... tem UPP na favela. Supõe-se hoje que a favela é uma fábrica de bandidos. Isso é um erro. A maioria esmagadora que mora em favelas é trabalhadora. A polícia tem que estar na favela para proteger os moradores da favela, não os moradores do asfalto”, analisou.

Para o cientista social da UFF, Elionaldo Fernandes Julião, antes de prosseguir com as instalações das unidades, é preciso retomar o projeto inicial das UPPs. "A gente sabe da importância da proposta. A forma como conduziram é que foi complicada", iniciou.

Elionaldo justifica pontuando o que acredita que precisa ser repensado. "É preciso retomar as questões centrais do projeto. Por exemplo, a atuação social das UPPs dentro das comunidades. Da maneira como foi conduzido, virou maquiagem, paz para inglês ver. Então é preciso dar mais atenção a essas políticas sociais", avaliou.

O cientista social compartilha do mesmo pensamento de Michel Misse sobre a formação dos policiais que atuam nas UPPs. "Essa formação é frágil. É preciso rever a seleção e a formação desses profissionais. Isso é uma questão de planejamento", pontua.

Para Elionaldo, também é necessário rever a implementação das UPPs. "Pensar, organizar, planejar quais comunidades precisam das UPPs e como isso será feito. Não adianta, por uma questão de números e dados, colocar UPPs em todo lugar. Se for feito assim, o projeto vai acabar ruindo. Da maneira como foi feito, os próprios moradores se revoltaram e assumiram uma posição contrária às UPPs", analisou.

Para Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, é necessário que se faça uma “avaliação profunda do projeto da UPP e que, a partir saí, sejam tomadas decisões corretivas”. Para ele, uma das medidas necessárias é “pensar na relação entre os policiais e as comunidades”.

Sobre a institucionalização de novas UPPs, Cano acredita que “seria melhor avaliar e pensar no que precisa ser corrigido antes de continuar”. Sobre a manutenção de Beltrame no cargo, Cano avalia que “o secretário tem uma simbologia pública de continuação. Acredito que seja uma aposta na continuidade. Por outro lado, a renovação é importante”.

Perguntado sobre quais comunidades precisarão mais da atenção do estado em 2015, Ignácio Cano responde: “Acredito que todas aquelas que têm tiroteios constantes. O Alemão, por exemplo, nunca conseguiu alcançar o que se espera da pacificação. Na Rocinha a situação é complicada também. E existem outras, claro”.

Tiroteios nas comunidades com UPP

Os contêineres da UPP chegaram ao Complexo do Alemão em 2011. Contudo, os moradores ainda convivem com episódios de violência, como mortes e tiroteios. No dia 13 de outubro, dois homens foram encontrados mortos em um dos acessos da Favela da Fazendinha. Quatro dias depois (17), policiais lotados na UPP Nova Brasília foram surpreendidos por traficantes na localidade conhecida como Beco da Creche. No último dia 22 de outubro, policiais trocaram tiros com traficantes e as aulas foram suspensas na comunidade.

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Na Rocinha, a situação não é diferente. Na manhã desta segunda-feira (3), um tiroteio na comunidade feriu um PM que participava de uma ação na localidade do Cachopa. No dia 18 de outubro um homem foi encontrado morto na localidade do Terreirão. Os moradores da comunidade, que ficou mundialmente conhecida após o desaparecimento do pedreiro Amarildo, denunciam nas redes sociais que sofrem com casos de abuso policial, mortes e tiroteios.

A favela da Maré, que ainda não recebeu sua UPP, convive com as forças de pacificação do estado. Contudo, uma guerra entre facções rivais continua promovendo a violência na comunidade. Na manhã desta segunda-feira (3), um novo tiroteio assustou os moradores da Vila do João e da Nova Holanda, no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Companhia Destacada

Com a 2ª Companhia Destacada de Nilópolis, que foi construída com recursos do programa Somando Forças, da Secretaria de Obras, no valor de R$ 539 mil, Nilópolis contará com um efetivo de 130 policias e 11 viaturas.

Segundo o comandante do 20° batalhão da cidade, tenente-coronel Antônio Marcos Netto dos Santos, a localização da companhia é estratégica, já que está associada à distribuição de policias em áreas especificas a fim de reduzir a criminalidade.

De acordo com o comandante da 2° Companhia do 20° BPM, tenente Guilherme Pagano, o patrulhamento será intensificado no interior da cidade e localidades críticas. O tenente afirmou ainda que a criação da companhia dinamiza o trabalho da polícia e a aproxima da comunidade.

O governador Luiz Fernando Pezão também esteve na inauguração da Companhia Destacada. Sobre Beltrame, o governador disse: "Estou muito feliz porque ele aceitou continuar. Para a política de segurança é muito importante. Não queremos recuar no combate à criminalidade no Rio de Janeiro. É um orgulho ter esse brasileiro conosco".

Pezão também comentou a política de segurança pública no estado. “Só se faz segurança pública com PM, policial civil, agente penitenciário e guarda municipal, todos integrados. E isso não tem na prateleira", disse.

*Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil