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Chacina em Caxias: sociólogos apontam que extermínio não deve ser tolerado

Jovens foram mortos nesta segunda; Brasil é segundo no mundo em homicídios de adolescentes

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Na última segunda-feira (13), cinco jovens entre 15 e 18 anos foram chacinados no bairro Parque Paulista, em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. De acordo com a Agenda pela Infância divulgada nesta terça-feira pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e enviada aos candidatos à presidência da República neste segundo turno das eleições, os homicídios são hoje a maior ameaça à vida dos adolescentes. O Brasil é o segundo país no mundo em número de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. 

Segundo testemunhas, o grupo de seis amigos foi surpreendido por quatro homens usando roupas de camuflagem e máscaras que chegaram ao local em um carro branco, agrediram os seis e depois atiraram. Um único menino, de 12 anos, escapou com vida da execução. Os outros cinco rapazes, amigos de infância, foram enterrados no mesmo cemitério nesta terça-feira. Segundo os dados do Unicef, a cada hora morre um adolescente por homicídio no país.

A chacina aconteceu por volta das 21h. O único sobrevivente teria contado para investigadores da Polícia Civil que só escapou de ser morto porque a munição dos criminosos teria acabado. O menino foi atingido por um tiro na região do abdômen e segue internado, sem previsão de alta. Entre as cinco vítimas fatais, três morreram no local e os outros dois enquanto recebiam atendimento médico. A principal linha de investigação da polícia é relativa à atuação de grupos de extermínio e não foi descartada a hipótese de os jovens terem sido executados por engano.

O sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que o assassinato de jovens não representam um fenômeno inédito no Brasil. “Existem grupos de extermínio há décadas fazendo esse tipo de trabalho, orientados por uma crença perversa de extermínio e de que a solução da criminalidade é eliminar estereótipos que coincidem com a ideia do que deve ser um criminoso”, denuncia.

Grupos de jovens exterminados não são novidade na história do Rio de Janeiro. Em 2012, seis jovens de Nilópolis, também da Baixada Fluminense, foram chacinados na favela da Chatuba, em Mesquita. Os corpos dos jovens que tinham entre 16 e 19 anos foram encontrados às margens da rodovia Presidente Dutra. Outro episódio trágico foi a chacina da Candelária, que terminou com oito jovens mortos por policiais militares.

Segundo o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a informação de que dois dos meninos assassinados já tinham passagens pela polícia não deveria estar sendo tratada de forma enfática. “Reforçar essa informação é realmente irrelevante para o fato central, que são os cinco jovens mortos. Com ou sem envolvimento, essas mortes não deveriam ter acontecido. Essa informação serve para justificar a morte deles perante alguns setores da população, mas não presta nenhum serviço à Justiça”, critica.

Para Misse, um dos principais problemas desse histórico de extermínio é que uma parcela da população apoia esse tipo de ação criminosa. O sociólogo classifica esse fenômeno de personalizar o crime através da pessoa como sujeição criminal. “A pessoa deixa de ser um agente que cometeu o crime para passar a ser o próprio crime, daí essa ideia de que a solução da criminalidade é o extermínio dessa pessoa. Isso acontece no país todo, mas aqui no Rio tem ganhado mais repercussão e visibilidade”, diz.

Mortes de adolescentes em Caxias

Em 2012 o Unicef, junto à órgãos como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e o Observatório de Favelas, divulgou o Índice de Homicídios na Adolescência. No documento, foram avaliados 283 municípios do Brasil com mais de 100 mil habitantes e o município de Duque de Caxias apareceu entre os 20 mais perigosos para adolescentes, ocupando a 15ª posição.

De acordo com o sociólogo Ignácio Cano, a Baixada Fluminense é uma área que possui um histórico de ações vinculadas à grupos de extermínio. “É preciso que haja uma investigação sistemática, além de investimento na divisão de homicídios da Baixada, uma área com histórico de presença de grupos de extermínio. As pessoas precisam parar também de votar em vereadores e prefeitos que possuem compromisso com esses grupos de extermínio”, aponta.

Perspectivas eleitorais

A Agenda pela Infância do Unicef foi entregue ao candidato Aécio Neves, na manhã desta quarta-feira e a presidenta e candidata à reeleição, Dilma Rousseff, recebeu o documento no último domingo. Contudo, Misse não vê uma mudança positiva na forma que o poder público lida com a questão da violência cometida contra adolescentes. “Uma das candidaturas apoia a política de diminuição da maioridade penal, ou seja, é a favor de punir ainda mais. Nosso quadro geral é autoritário e enfatiza mais a punição do que prevenção”, aponta, se referindo ao programa de Aécio Neves que prevê a redução da maioridade penal.

Para Ignácio Cano, o prognóstico também não é positivo, mas espera que a chacina dos meninos de Caxias seja devidamente investigada. “Os dados indicam um aumento significativo nesse tipo de violência de 2011 para 2012. São dados preocupantes. Quanto a esses meninos, não tem como ter muito otimismo, mas esperamos que alguma coisa seja feita e que cheguem até os envolvidos”, diz.

O documento da Unicef lembra ainda que as maiores vítimas desse tipo de violência são meninas e meninos afrodescendentes, cuja taxa de homicídios é quase quatro vezes maior do que a de meninas e meninos brancos. Em 2012, o Datasus registrou  9.106 homicídios de jovens entre 15 e 19 anos, dos quais 8.454 foram de meninos e 652 de meninas.

*Do programa de estágio do JB