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Debate: "Toda a réplica que eu havia pensado foi por água abaixo", diz Tarcísio

Candidato do PSOL não esperava risada de Pezão quando perguntado sobre onde está Amarildo

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Durante o debate entre candidatos ao governo do estado, realizado terça-feira (30) pela Rede Globo, a reação de Luiz Fernando Pezão a uma pergunta do candidato Tarcísio Motta virou assunto nas redes sociais. Ao ser perguntado sobre o paradeiro de Amarildo Dias de Souza, desaparecido em 2013 na favela da Rocinha, o governador riu. A hashtag “Cadê o Amarildo” ficou em terceiro lugar nos assuntos mais comentados do Twitter no Rio de Janeiro. Outras hashtags relacionadas ao debate também lideraram os TTs, como “atitudes cabralinas”, expressão usada pelo candidato do PSOL.

Em sua réplica, Tarcísio, que teve seu nome como o segundo assunto mais comentado do Twitter no Rio, chegou a chamar a atenção de Pezão dizendo: “Eu acho um desrespeito que você começou sua resposta sorrindo. Nós temos a polícia que mais mata e mais morre no mundo. Isso é muito sério”. Ainda assim, o governador não se retratou. A atitude de Pezão revoltou a família do pedreiro e também a classe política.

Anderson Dias, um dos seis filhos de Amarildo, se mostrou descontente com a atitude do governador. “É uma falta de respeito com a morte do meu pai. A verdade é que o Pezão não teve resposta para dar para o Tarcísio e riu. Eu não estava assistindo o debate na hora, mas uma amiga me falou. Fiquei revoltado. Eu não gosto do Pezão, nem do Cabral. Eles são a mesma coisa. Mas quem ri por último ri melhor. A justiça vai vir”, desabafou.

A sobrinha do pedreiro, Michele Lacerda, se disse revoltada com a risada de Pezão. “Ficou mais que provado a falta de respeito com o cidadão. O Tarcísio queria saber de todos os 'Amarildos' que já sumiram no governo do Cabral e do Pezão. Foi falta de respeito. Deus me livre, mas ele só saberia a dor que é, se acontecesse com ele. Aí ele ia sentir o que a gente sente todos os dias”, criticou.

Indignada, Maria Eunice Lacerda, irmã de Amarildo disse que acredita que Pezão “engasgou, riu e debochou”. Para ela, “ele não fez nem vista grossa. A impressão que nós ficamos aqui foi que ele pensou ‘mais um cachorro que saiu da rua, mais um porco que saiu do chiqueiro’. É cada coisa que a gente fica arrasada, sabe? E ele não respondeu a pergunta do Tarcísio. Ele não pediu desculpas na hora e nem depois, até agora nada. O Tarcísio ainda cobrou dele as Cláudias, os DGs... ele fugiu das respostas. Foi deboche, foi falta de respeito”.

Kenzo Soares participou do Fórum de Lutas contra o aumento das passagens e também faz parte do diretório municipal do PSOL. Para ele, foi “a risada de quem lucra com tudo isso e acredita que ficará impune”. Kenzo criticou ainda o governo Cabral/Pezão. “Imagina o que a família do Amarildo deve ter sentido quando viu essa cena? E todas as famílias que perderam alguém vítima da polícia e da violência? A risada do Pezão simboliza o quanto vale a vida e os direitos para o projeto de governo dele. Tenho a impressão de que quem ri diante da morte do Amarildo, ri também do exército na Maré, do caos nos serviços públicos e etc”, contestou. Kenzo finalizou relembrando as manifestações: “A cada risada aumenta a indignação e vai haver um dia em que as balas e o gás lacrimogêneo não vão dar conta”.

Tarcísio Motta disse que não imaginava a reação de Pezão quando fez a pergunta. O candidato condenou mais uma vez a risada do governador. “Eu acho que o riso do Pezão escancara a forma autoritária que este estado olha para o negro, para o pobre e para o favelado. Sem a maquiagem da propaganda eleitoral, em um debate, isso acaba aparecendo. Toda a réplica que eu havia pensado foi por água abaixo porque eu fiquei absolutamente indignado. Foi um desrespeito total. Ele deveria pedir desculpas não apenas para a família do Amarildo, como para todos os envolvidos nesse caso e em outros casos de desaparecimento. O Pezão é treinado para repetir números atrás de números, mas ainda assim é espantoso que ele não tenha se manifestado ou pedido desculpas quando a palavra voltou para ele”, avaliou.

O candidato a deputado federal, Jean Wyllys (PSOL), também comentou a risada de Pezão. "A primeira reação que tive diante do riso do candidato Pezão (que tinha sido perguntado pelo professor Tarcísio sobre uma pessoa torturada e assassinada, sobre uma família que sequer teve direito de enterrar o corpo de uma pessoa amada) foi: ‘esse cara é louco. Ao invés de responder com seriedade à pergunta, a autoridade máxima do estado, responsável pelo corpo de policiais que cometeu esse crime, dá risada. Como se a tortura e a morte de um trabalhador fosse algo engraçado. Isso demonstra falta de compaixão por uma família que provavelmente estava assistindo ao debate e teve que passar pelo vexame de ver o governador rindo de sua tragédia", criticou.

Marcelo Freixo, candidato a deputado estadual pelo PSOL, também criticou a postura do governador durante a sabatina. “O Pezão é um cara ensaiado para dar respostas prontas. Se você observar os outros debates, ele repete até as vírgulas. Quando aparece uma pergunta para a qual ele não foi treinado, ele não sabe como agir. Ontem o Pezão agiu muito mal. Ele jamais poderia responder uma pergunta sobre morte, tortura e desaparecimento com uma risada. Está rindo do que? Qual a graça?”, questiona. Freixo esclarece que “é evidente que todos nós sabemos que não foi o Pezão quem mandou sequestrar o Amarildo, ninguém está falando isso. Mas ele tem responsabilidade política e pública. Foram agentes de estado que fizeram aquilo”.

O candidato disse ainda que “rir é falta de respeito. É indiferente? É só porque ele era negro e morador de favela? Tentaram criminalizar o Amarildo, tentaram ligá-lo ao tráfico como se isso fizesse o desaparecimento menos grave. Essa foi a estratégia”. Para Freixo, “além de sorrir, o Pezão não teve a grandeza de pedir desculpa. O aumentativo no nome dele é só físico, não é de espírito. Ele não teve jogo de cintura sequer para se desculpar, mostrando uma arrogância típica. Agora, mesmo que a assessoria dele solte uma notinha, vai ser cinismo”.

Chico Alencar, que disputa o cargo de deputado federal pelo PSOL, também condenou a postura do governador diante de um dos assuntos mais polêmicos dos oito anos de governo Cabral / Pezão. “Foi uma atitude de deboche diante de um fato dramático, diante de seis filhos que não puderam velar o corpo do pai, que foi preso, torturado e assassinado. Como nos tempos obscuros da ditadura. Isso mostrou que essa imagem de pessoa simples e sensível que as campanhas eleitorais querem transmitir é puro marketing. O que o Pezão fez foi muito grave. Quando ele riu, eu estava lá e fiquei chocado. Não tinha graça. Não pedir desculpa mostra que ele está precisando ser mais educado. A propaganda dele só fala dos pais, é completamente apelativa. Fora a orientação ‘marketeira’ ele seguiu seu discurso sem pedir desculpa. Foi fora de qualquer conceito”, disse.

Entenda

Após receber autorização para perguntar, Tarcísio Motta se dirigiu a Pezão. O candidato do PSOL começou falando: "Pezão, no ano de 2007 foram registrados mais de 4.600 casos de desaparecimento. No ano de 2010 o número subiu para 5.400. No ano de 2013, assistimos ao recorde de mais de 6 mil desaparecimentos. No ano passado o mundo inteiro fez uma pergunta. As ruas fizeram uma pergunta e eu, que lá estava, fiz muitas vezes. Eu quero te dar a chance de responder: Pezão, cadê o Amarildo?".

Após ouvir a pergunta, Pezão riu por alguns segundos, acompanhado de uma parte não identificada da plateia, que contava com convidados, como assessores, correligionários e acompanhantes dos candidatos. O governador seguiu argumentando: "Professor Tarcísio, se tem um governo que investiu na elucidação de crimes e desaparecimento, é o nosso. Se tem um governo que investiu em segurança pública, foi o nosso. Nós saímos do investimento de dois bilhões e cem milhões de reais em segurança pública para nove bilhões e quatrocentos milhões esse ano. E vamos continuar a investir. Só na elucidação de crimes, saímos de 4,5% para 27,5%, professor Tarcísio. A gente sabe que tem um longo caminho a percorrer. E as câmeras que detectaram o desaparecimento do Amarildo foram nós que colocamos dentro da comunidade. E vamos continuar a investir fortemente nesses monitoramentos. Em parcerias com as cidades, em parcerias com as comunidades. Nós sabemos que ainda temos muito para avançar na segurança pública. Nesse estado sumiam diversos 'Amarildos' por dia e ninguém ficava sabendo. Você saía de São Conrado, atravessava uma avenida e entrava em uma cidade de 101 mil habitantes como a Rocinha, onde o chefe do tráfico determinava quem subia e quem descia. Hoje tem polícia lá dentro e tem delegacia. Como ontem, durante o processo eleitoral, fizemos uma investigação e entramos lá dentro para prender os traficantes. E vamos continuar a investir na segurança, professor".

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Ao retomar a palavra, Tarcísio se mostrava exaltado e condenou a risada de Pezão. O candidato lembrou outras vítimas da violência nas comunidades pacificadas e a morte de policiais. "É em nome das famílias, em nome de todos os 'Amarildos' que eu repito a pergunta e vocês têm que responder com política: Cadê o Amarildo?". Pezão, contudo, respondeu com dados e promessas de investir na segurança pública e na formação de policiais. O candidato do PMDB disse ainda "lamentar" a visão de Tarcísio, alegando que, além dos problemas vigentes, não se pode "negar os avanços que tivemos na segurança pública". 

* Do Programa de Estágio do JB