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"Paz não se faz com policial", concordam sociólogo e morador da Rocinha

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Conforme o Jornal do Brasil publicou nesta terça-feira (26), um tiroteio foi registrado nesta manhã na Rocinha, durante uma visita do candidato ao governo do estado Luiz Fernando Pezão. O episódio de violência, contudo, aconteceu em um local afastado de onde o governador fazia suas promessas eleitorais. O confronto foi confirmado pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e pela Polícia Civil.

Pezão comentou a operação e se referiu ao atual momento da comunidade como "sem tráfico". Em discurso ele disse: "Vamos continuar na política de pacificação. Eu entro em comunidades desde fevereiro de 2007. Eu vim aqui [Rocinha], com tráfico e sem tráfico, mas na campanha é a primeira vez. Há sete anos e meio, as pessoas tinham medo de vir aqui. A polícia faz operação de forma autônoma. Não pode ser pautada pela agenda política".

>> Pezão faz campanha na Rocinha enquanto morador sofre com a violência

Por meio de nota, a Polícia Civil comentou o ocorrido. “Policiais da 11ª DP (Rocinha), com apoio de agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), realizaram, na manhã desta terça-feira, ação naquela comunidade [Rocinha], visando cumprir dois mandados de prisão, expedidos pela Justiça, contra traficantes que atuam na região. Durante a ação houve rápida troca de tiros com traficantes, mas ninguém ficou ferido e não houve prisões. Uma granada defensiva foi apreendida pelos agentes no interior de um imóvel, situado na Rua 2, naquela comunidade [Rocinha]. Os agentes conseguiram identificar o suspeito de ter abandonado o explosivo no local e contra ele vai ser pedido mandado de prisão à Justiça”, diz o texto.

O tiroteio desta terça-feira, na Rocinha, é mais um dos exemplos das falhas no processo de pacificação das comunidades do Rio. O projeto visa ocupar as comunidades e instalar um contêiner, que serve como sede da UPP, em áreas dominadas pelo tráfico, levando paz para os moradores. A realidade, contudo, é diferente. Por não prender todos os criminosos locais, a polícia ainda troca tiro com traficantes, que conseguem sustentar o tráfico, mesmo que não tenham a mesma força e organização de antes. Após anos de ocupação, operações ainda são realizadas para apreender armas de guerra, que fazem parte do arsenal do tráfico, bem como entorpecentes e artigos roubados. A relação entre policiais e moradores também não é tão pacifica quanto previsto no projeto inicial. Reclamações de moradores, abuso de poder, mortes e desaparecimentos mancham a imagem da pacificação nas favelas.

Em seu site oficial, autoridades comentam sobre a UPP, guiados por um discurso que reflete a ideia do projeto. O secretário de segurança, José Mariano Beltrame, diz que "as UPPs vieram para ficar. Vamos chegar a 40 Unidades até 2014. Não é só um projeto de segurança, é uma política de Estado, de valorização da vida e de geração de esperança para o povo carioca e fluminense".

Contudo, para o sociólogo da UFRJ, Paulo Bahia, a realidade dita por Beltrame “não se encaixa na Rocinha e nem nas demais UPPs [contando com a Rocinha, 38 Unidades]”. Ele explica dizendo que “a pacificação não é apenas uma questão de polícia. Engloba também a presença do estado e o lado social. Acontece que só chegou a polícia”. Perguntado sobre a forma como a polícia entrou nas favelas, o sociólogo analisa: “No início houve sim uma tentativa de política de aproximação, mas, com o passar do tempo, a PM voltou a ter os mesmos vícios que tinha antes da UPP. A política de proximidade não se completou”.

O coordenador de Polícia Pacificadora, Frederico Caldas, acredita que “as UPPs representam a consolidação do pacto entre a Polícia Militar e o povo, para quem devemos destinar o melhor de nossos esforços. Significa muito mais do que o resgate da esperança e da cidadania: a UPP simboliza todo o apreço que devemos ter pela vida humana". Apesar de ressaltar que a declaração de Caldas se encaixa no projeto pensado para a UPP, o sociólogo acredita que “isso não é compatível com a sociabilidade real. Na teoria está perfeito, mas falta ser implementado”. Apesar das 38 UPPs que já foram instaladas, os erros continuam se repetindo e novas unidades já estão sendo pensadas.

Por fim, o Comandante Geral da PM, Coronel José Luis Castro, diz: “A UPP é hoje a principal ferramenta que a PM tem para se aproximar da sociedade. Estamos conseguindo reverter um quadro histórico de muitos anos e o policial que ali atua tem um papel fundamental. Queremos isso: um policial atuante, próximo da comunidade”. Porém, para Paulo Bahia, “os dados não mostram isso. A Rocinha é um caso a parte, mas nem mas demais comunidades isso é real. A tese está correta, mas é distante do quadro atual”.

O morador da Rocinha e colunista do Jornal do Brasil, Davison Coutinho, também comentou as declarações. "Infelizmente, não posso concordar que a Polícia resgata a cidadania e valoriza a vida de um povo. Não nego que de início, nós, moradores, tínhamos a esperança de viver em um lugar melhor, de sermos tratados como os moradores dos bairros da cidade. Ou melhor, de sermos incluídos na sociedade, passando a ser parte integrante e não apenas um problema. No entanto, pouco demorou para concluirmos que a pacificação era mais um projeto eleitoral, criado para que os nossos representantes passassem uma imagem ao mundo de que a cidade estava bem em segurança pública", defende.

Para Davison, "só quem mora nas comunidades [ditas pacificadas] sabe os riscos que convivemos todos os dias. É impossível resgatar a cidadania e trazer a paz para lugares abandonados por décadas apenas 'enfiando' força policial para repressão dos moradores. O trabalho precisa ir mais além, precisa ir na base. A pacificação precisa ser investimento na educação básica e no oferecimento de oportunidades para transformação social. O investimento tem que ser em educação, moradia e ações que resgatem a dignidade", analisa.

Conforme avaliou Paulo Bahia, Davison diz: "Volto a afirmar: paz não se faz com policial, pelo contrário. Vemos a quantidade de policias perdendo suas vidas dentro de favelas e perdidos entre os becos e vielas. Vemos também a quantidade de moradores e inocentes perdendo suas vidas em meio aos confrontos. Não sou contra o projeto, mas ele não pode ser a arma principal de mudança e deve estar aliado a muitas outras necessidades das comunidades". 

* Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil