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Líderes comunitários contestam PAC 2 na Rocinha

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Com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 ainda não finalizadas, moradores da Rocinha agora têm que lutar para que seus direitos sejam respeitados durante o PAC 2. O que deveria trazer qualidade de vida para a comunidade, está se transformando em uma grande dor de cabeça para líderes comunitários. As principais reclamações são sobre a construção do teleférico, a falta de saneamento básico, as obras não concluídas do PAC 1 e os altos custos em projetos desnecessários, enquanto a saúde e a educação na maior favela da América Latina continuam precárias.

O Jornal do Brasil ouviu líderes comunitários da Rocinha, que explicaram a situação e a insatisfação com o PAC. Juntos, eles recorreram ao Ministério Público para pedir que o governo preste contas dos gastos com o programa, uma vez que algumas obras não foram concluídas e outras inauguradas às pressas, próximo às eleições. Procurada, a Secretaria de Estado de Obras não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

PAC 1

A primeira parte do PAC, previa, entre outros, a construção de um plano inclinado na localidade Roupa Suja, a urbanização do Largo do Boiadeiro, a canalização do valão principal da Rocinha, a criação de um mercado popular que realocaria comerciantes do Largo do Boiadeiro e projetos para levar saneamento básico para diversos pontos do complexo. Nenhuma dessas obras foi entregue. Outro ponto crítico foi a inauguração de uma creche, que foi entregue com quatro anos de atraso e só receberá alunos em 2015. A escola comporta 150 crianças e os pretendentes a uma vaga já avançam a casa dos mil.

Segundo Denis Neves, da Comissão de Moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, a Rocinha possui apenas quatro creches públicas. Outras, recebem incentivo do governo, mas não são inteiramente gratuitas. “As vagas são decididas por sorteio e creches são muito boas. Minha filha estudou em uma delas e é realmente muito boa. O problema é que a população de baixa renda ganha um salário mínimo e, muitas vezes, as mães precisam deixar seus filhos na creche para trabalhar. Quando elas não conseguem vagas públicas, precisam matriculá-los em escolas particulares. Mas são famílias pobres e, muitas vezes, metade da renda do mês acaba indo para pagar a creche”.

José Martins, do movimento Rocinha Sem Fronteiras, conta que “as obras do PAC 1 deveriam ter sido concluídas em 2011. Em 2010, parou tudo. Nós fomos atrás, procuramos saber, reclamamos, mas eles diziam que não tinham recursos”. Sobre e creche, ele diz que “quando ela ficou pronta, eles não inauguraram. Disseram que era porque a Prefeitura era quem devia fornecer o material necessário e não tinha comprado o suficiente. Quer dizer, falta de planejamento”.

Outro ponto crítico no PAC 1, foram as remoções de casas e famílias inteiras para a realização das obras. Com isso, alguns moradores não foram ressarcidos justamente. É o caso de Davison Coutinho, outro representante da Comissão de Moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu. "Eu morava em um prédio familiar que era histórico, tinha mais de 40 anos. Foi construído pelo meu avô, que morreu lutando pela comunidade. No PAC 1, eles foram lá e começaram a nos ameaçar. Disseram que se a gente não saísse ia ter que ir pra Santa Cruz. Fizeram um lançamento miserável pelo imóvel. A gente morava de frente para a rua e hoje mora em um beco, com todos os problemas de estrutura de uma comunidade. Deram um prazo para que a gente saísse, condenaram o prédio e disseram que tinha risco de cair. Saímos de lá em 2010. Até hoje o prédio não foi demolido. A gente passa lá todo dia e sente uma dor. Minha mãe viu o pai construir aquele prédio e morrer na luta pela comunidade. Hoje ela tem que passar lá e ver o prédio abandonado e sendo usado para consumo de drogas. Eles pagaram o quanto quiseram e chegaram a nos oferecer suborno para aceitar", relata Davison.

Teleférico

A construção do teleférico na comunidade vem gerando profunda insatisfação. Considerando que o custo com a obra e manutenção do transporte no Complexo do Alemão é alto, moradores questionam a real necessidade da obra. Sem o plano inclinado, quem reside em Roupa Suja encontra dificuldades para se locomover. O teleférico poderia ser uma solução, contudo, a estação não vai chegar até lá.

Para Denis, “se a obra é necessária ou não, não existe um estudo aprofundado. Mas com certeza, não é uma prioridade. O teleférico será muito mais turístico. Não é uma obra pensada para atender a comunidade. Onde as estações vão ficar, passa carro, moto e ônibus. A região de Cesário, Laboriaux. Roupa Suja, Macega, Terreirão e Vila Verde, que precisariam do teleférico, não vão receber estações”.

Para as obras, algumas casas serão removidas. Este é outro ponto que dificulta a aceitação do teleférico. “Estava prevista a construção dos apartamentos modelos, que receberiam esses moradores. Só que eles ficariam na parte baixa, próxima a São Conrado. Só que um grupo de moradores de São Conrado recorreu à justiça alegando que a Rocinha estava invadindo o espaço do bairro. Eles ganharam a causa e agora a solução é a compra assistida. Só que, com a UPP, a especulação imobiliária nas comunidades pacificadas subiu muito. O Vidigal, por exemplo. O David Beckham comprou uma casa lá por 1 milhão de reais. Isso valoriza o terreno também”, analisa Denis.

José também reclama da construção do teleférico e critica a remoção de milhares de famílias para atender ao projeto. “Não tem necessidade. É uma obra feita para turista. No Alemão, por exemplo, nem 10% da população local usa o teleférico. O custo da manutenção é R$ 2 milhões. Quanta coisa não poderia ser feita com esse dinheiro? Se as remoções das famílias fossem para algo que beneficiasse todo o resto da comunidade, é até possível entender. Mas não é por isso, é para turista passear. Dependendo da quantidade de pessoas, vai ser difícil realocar. No meio disso tudo, eles deviam remanejar as pessoas que moram no valão. Quer dizer, é complicado!”, critica José.

Saneamento básico

O saneamento básico é a maior reivindicação dos moradores. Em toda a comunidade, o esgoto a céu aberto causa problemas. Em dias de chuva, a situação se torna ainda pior. No PAC I, nenhuma obra idealizada para começar a solucionar esse problema foi concluída. Agora, no PAC 2, algumas localidades da favela continuam sem contemplação e sem esperança para resolver o problema.

“Quando chove, a Rocinha vira um caos. As pessoas ficam trancadas nas suas casas porque não tem como sair. Alaga, suja tudo. O esgoto a céu aberto é uma reclamação diária em quase todas as partes da favela”, descreve Denis. Sobre casos de doença da comunidade, o líder comunitário não tem notícias. “Com certeza deve ter alguma coisa direta ou indiretamente relacionada a isso. Mas na Rocinha, acho que as pessoas têm anticorpos pela localidade em que nascem”, ironiza o representante da Comissão de Moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, a Rocinha.

José, também demonstra sua insatisfação com o descaso do governo. “Esse dinheiro do PAC deveria ser gasto em saneamento. A gente vem lutando e discutindo isso. No PAC I nada que estava previsto de saneamento foi feito. Se investissem nisso, melhorava a saúde e a acessibilidade”, analisa. Sobre as obras, o representante do movimento Rocinha Sem Fronteiras, aponta falhas: “Localidades como Vila Verde, Ladeira da Cachopa e 199 não vão receber saneamento, de acordo com o projeto apresentado pelo PAC. Sem falar que eles dizem que não vão canalizar as casas, só as valas”.

Resposta da Secretaria de Obras

No dia seguinte à publicação da reportagem, a Secretaria de Estado de Obras respondeu aos questionamentos do Jornal do Brasil, que detalhou as reclamações dos líderes comunitários. Por meio de nota, a Secretaria se manifestou sobre o PAC I e o PAC 2.

"Sobre o PAC 1

As obras do PAC 1 na Rocinha compreendem obras de infraestrutura, construção do complexo esportivo, de 144 moradias, de uma UPA 24h, de uma passarela ligando o complexo a comunidade, de uma biblioteca-parque, do alargamento da Rua quatro, realocações, demolições, saneamento, pavimentação, etc. Devido à complexidade das obras, o projeto inicial teve de ser readequado. Um dos exemplos disso foi a reurbanização da Rua 4, antes uma viela de 60 centímetros de largura, a transformou em um novo caminho, de até 14 metros de largura. A abertura foi vital para a entrada da luz solar e de ventilação num ponto considerado o de maior incidência de tuberculose do país, por causa da excessiva umidade. Essa acessibilidade permite não só o acesso dos moradores até suas casas, mas também dos serviços necessários à população como ambulância, segurança, limpeza, entre outros equipamentos.

As intervenções complementares incluem a finalização de um plano inclinado e de uma creche (já concluída), a construção de um mercado popular e reurbanização do Caminho dos Boiadeiros, implantação de redes de abastecimento de água e esgoto, iluminação e urbanização, entre outros. As obras de complementação do PAC 1 na Rocinha devem ser concluídas até o final deste ano.

Sobre o PAC 2

Durante audiência pública, realizada na última segunda-feira, foi assegurado, levando em conta as ponderações da comunidade, que haverá prioridade total ao saneamento com implantação de redes de drenagem, esgoto, abastecimento de água e coleta de lixo. Modernos sistemas vão eliminar todos os despejos a céu aberto, através de caixas compactadoras e de armazenamento subterrâneo de lixo, gradeamento e pontos contenedores. Além disso, de acordo com estudos sobre a topografia da Rocinha, a solução ideal é o teleférico. Haverá um teleférico integrado à estação do metrô, com capacidade para transportar três mil pessoas por hora, incluindo idosos, pessoas com deficiência e crianças. O tempo de deslocamento entre a parte mais baixa e a parte mais alta da comunidade será feita em oito minutos com o transporte. Já se optasse pelo plano inclinado, o mesmo trajeto seria feito em uma hora e só transportaria 25 pessoas. Com o Metrô foi conseguida também integração por ônibus da estação mais alta do Teleférico – Umuarama – à estação Gávea. Como a maior parte das crianças da Rocinha estudam na Gávea, elas terão acesso mais fácil e rápido às suas escolas. Também será construída uma escada rolante e instalados elevadores e passarelas para fazer a ligação da Rua 2 com a Rua 4".