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Moradores do Jardim Botânico não aceitam acordo proposto pela União

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Os moradores da comunidade Caxinguelê, localizada no Horto, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, ainda resistem às determinações do Governo Federal de realocar cerca de 620 famílias do local. Na noite desta terça-feira (7), centenas de integrantes da Associação de Moradores e Amigos do Horto (Amahor) se reuniram com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), a Advocacia Geral da União (AGU) o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Casa Civil e a Secretaria da Presidência da República.

"Este é um momento doloroso. Estamos aqui lidando com pessoas, com moradores, que vivem aqui há muitos anos. Fico aqui tentando evitar um rosto, um olhar, uma senhora, mas esta é a situação que eu trago para os senhores”, declarou o assessor especial de gabinete da ministra do meio ambiente, Luiz Antônio Correia de Carvalho, ao informar os moradores da decisão do governo sobre a realocação de cerca de 80% dos residentes da comunidade 

A presidente da Amahor, Emília Maria de Souza, garante que a decisão não é final. "A situação não está decidida. Vamos conversar com os advogados para ver o que podemos fazer judicialmente. E consultar outras instâncias do governo para apresentar o que queremos - permanecer na área do Horto – e que retornem com a ideia do projeto elaborado pela UFRJ e o TCU, que previa o remanejamento de algumas famílias dentro do próprio Horto e a expansão das áreas de pesquisa do Instituto Jardim Botânico de Pesquisas do Rio de Janeiro", afirma.

Segundo a secretária nacional do Patrimônio da União, Cassandra Nunes, o objetivo do encontro com os moradores foi divulgar o a delimitação do perímetro do Jardim Botânico e apresentar o escritório de apoio, que pretende fazer uma atualização do cadastro de 2010, de cada família existente no Horto, num prazo de 30 dias. 

De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o Jardim Botânico ficará com uma área de 132,5 hectares. A ministra defendeu também a transformação do espaço em um centro de referência internacional em botânica. 

Para historiadora, "limite histórico" dito pelo MMA nunca existiu

Durante a reunião com os moradores e o governo, a historiadora Laura Olivieri, que acompanha a comunidade do Horto há mais de dez anos e realiza um doutorado sobre o local, onde faz a curadoria do museu, questionou o termo “limite histórico” usado pelo Ministério do Meio Ambiente. De acordo com o órgão, o perímetro foi identificado a partir de estudos promovidos com a participação de diferentes esferas e considerou a proteção do meio ambiente e do patrimônio tombado, a eliminação das situações de risco e a preservação dos limites históricos do Jardim Botânico.  

“É preciso que se chamem geólogos e historiadores para compor a equipe de decisão do perímetro do Jardim Botânico, porque o limite histórico nunca foi o que se compõe atualmente. O limite ia da Escola Juscelino Kubstchek até o portão que ainda existe lá. E foi esta comissão de frente aqui [se referindo aos idosos que sentavam na primeira fileira da reunião] que me contou esta história. Vale ressaltar que tecnicamente os documentos oficiais do Iphan valem tanto como a memória deste povo. Ele pode ser tão forjado quanto à qualquer versão de memória pessoal. É igual para a história”, argumenta a profissional. 

Escola Municipal Julia Kubitschek será mantida, mas Serpro sai

Luiz Antônio Correia de Carvalho, informou ainda aos moradores que três instituições serão mantidas dentro do Horto, apesar do novo perímetro. Entre elas, a Escola Municipal Julia Kubitschek, criada para atender a comunidade que lá residia e inaugurada em 1961 pelo presidente Juscelino. Outro imóvel que será mantido será a subestação da Light além do prédio do Tribunal Regional Eleitoral, que passará a ser utilizado pelo JBRJ, confome informou o assessor.

“Nosso encaminhamento é no sentido de que a partir daqui nós desencadeemos o processo o mais pacífico possível e exitoso, com prazos e não da maneira como vem acontecendo, dando segurança jurídica a todas as instituições, inclusive o Serpro [sede do Rio do Serviço Federal de Processamento de Dados, localizado no Horto Florestal]. Isto demanda tempo, mas há o entendimento pelo governo de que este é o perímetro e que estas são as únicas instituições que em médio prazo poderão permanecer no Instituto Jardim Botânico”, declara Luiz Antônio.

Futuros despejos preocupam o governo e a população

Corre na Justiça, a partir da própria União, a solicitação do despejo de alguns dos moradores, conforme relataram os governantes no encontro. Há cerca de 250 ações, em que 160 são transitadas no julgado. Em poucas delas foi concedido o direito de indenização por benfeitoria, cerca de 20%. E 130 já estariam transitados e julgados sem direito à indenização, como contou Luiz Antônio:

“Este é o fato jurídico com o qual nós estávamos trabalhando. Fatos como este fizeram com que recentemente nós tenhamos nos desdobrado com o governo federal para tentar encontrar as condições para que um grupo familiar pudesse sair daqui e vocês sabem bem as condições que saíram”, disse o assessor se referindo à dramática saída de três famílias no dia 4 de abril. Após a realocação destes, a casa de um deles teria sido derrubada imediatamente, o que assustou os moradores do Caxinguelê, como contou o morador da comunidade Moacyr Paiva.

“Não podemos, de uma hora para a outra, na calada da noite, uma família ir para o meio da rua. Precisamos de tempo, planejamento,construir alternativas habitacionais, porque boa parte desses moradores não possuem condições econômicas para ter uma moradia digna se não houver um esforço do governo federal nessa direção. Duas das residências não tinham luz ainda. Nós precisamos de um tempo para pintar, fazer direito. E não nos foi concedida uma noite. Tivemos que deslocar estacionar no pátio da polícia federal, para garantir, tentar negociar alguma. Esta situação para a avaliação da Advocacia Geral da União iria começar a acontecer sucessivamente. Então, da mesma maneira que trago uma notícia dolorosa, entendemos que a única condição de retomar um diálogo com a Justiça foi para que nós tivéssemos alguma governabilidade sobre isso”, ressaltou o representante.

Moradores se defendem com emoção

A defesa da Amahor entrou com um mandado de segurança junto ao STF para reivindicar irregularidades na determinação do TCU. “O acórdão do TCU com o pretexto no qual está sendo feito é manifestamente ilegal. O Tribunal de Contas da União não é jurídico, os membros não são juízes, são pessoas indicadas politicamente, a Constituição chama de notável saber. É ridículo usar isto como argumento para a medida. Até hoje não tivemos resposta, nem liminar. Não adianta nada apontarmos os erros e estes não serem considerados”, critica Moacyr Paiva, pai autora do livro Diário de uma invasora, de 17 anos, que usa o pseudônimo “Flávia”.

A jovem teve uma participação inflamada durante a assembleia, apontando a facilidade do argumento de Luiz Antônio quando disse que morava em área tombada. “É diferente para o senhor morar em área tombada, porque deve ter muito dinheiro. (...) Eu não devo nada a quem me tirar da minha casa”, esbravejou, durante a reunião.

O momento mais comovente da reunião se deu quando a mãe da menina pegou o microfone e se queixou de “não aguentar mais passar por isso”. “Eu só quero ficar na minha casa. Deixe a gente em paz”, disse Beatriz.