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A melancolia do primeiro Carnaval de Santa Teresa sem o bonde

Moradores se emocionam ao lembrar do transporte e comerciantes lutam para não fechar as portas

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No primeiro Carnaval de Santa Teresa sem o bonde, o clima de melancolia tomou conta de moradores e comerciantes. Nem a alegria dos 20 mil foliões que subiram as ladeiras do bairro para seguir o bloco Carmelitas apaziguou a desolação. E não é só o coração que sofre com a ausência. A dor também vem do bolso. Entre lojas fechadas e outras em vias de ir à falência, o comércio local luta para sobreviver seis meses após o acidente que matou seis pessoas e levou consigo, para alguns, a própria alma do bairro. 

"O bonde era como um vizinho para a gente e os seus funcionários eram parte da família já. Dá uma dor enorme no coração saber que ele não vai voltar da mesma maneira que antes, já que o novo será todo modernizado e feito mais para os turistas. Para nós, a sensação é a de que um amigo se foi", conta Alessandra Lopes. Dona de um ateliê no Largo do Guimarães, ela foi às lágrimas ao lembrar do bonde. "Como eu vendo produtos para fora, a queda no meu faturamento não foi tão alta. Quem vive só do comércio de rua aqui está  numa situação muito difícil". 

É o caso do tradicional restaurante Jasmim Manga. Após operar meses no vermelho, a dona do estabelecimento diz que vai fechar as portas até o fim do ano, antes do novo bonde. 

"O movimento caiu muito desde que o bonde parou de circular. Aqui, a queda foi de 80%. Acho difícil o Jasmim Manga chegar até o fim de 2012. Estou perto da falência", conta Adriana Frant. 

O restaurante Sobrenatural também sobrevive com dificuldade. Foi nele que os engenheiros da empresa portuguesa Carris almoçaram quando vieram ao Rio de Janeiro para estudar as ruas de Santa Teresa. A companhia, que opera os bondes de Lisboa, será a responsável pela reestruturação do sistema de transportes do bairro. 

"A noite ficou deserta aqui. O Sobrenatural sempre funcionou até meia-noite, mas agora estamos fechando às 21h às vezes. A vida noturna do bairro girava em torno do bonde. Já mandamos seis pessoas embora e, mesmo assim, estamos no vermelho também", conta o gerente Jorge Fernandes. Com uma queda de 40% no movimento, ele vê o novo bonde com ressalvas. "Quando estiveram aqui, os engenheiros disseram que precisariam trocar todos os trilhos. Vão quebrar as ruas de Santa Teresa inteira e vai ficar ainda pior para o comércio". 

Descaso do governo

Presente em todos os encontros com o governo do estado após o acidente, em agosto passado, a Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) crê que o governador Sérgio Cabral tratou o bairro com descaso nos últimos anos. O grupo também alega que os moradores nao foram ouvidos no processo de elaboração do novo bonde. 

"Não houve diálogo conosco. Vários moradores do bairro se organizaram numa espécie de referendo para apontar o que queriam no novo bonde, como os possíveis pontos, mas não foram ouvidos. O governo diz que conversou conosco, mas é mentira", reclama Débora Lerrer, integrante da Amast. "Agora vão gastar milhões numa obra faraônica para colocar um bonde completamente descaracterizado. É fechado, não tem estribo, é completamente diferente do original. Os bondes antigos poderiam continuar funcionando desde que fizessem uma manutenção decente". 

Morador e dono de uma loja de brinquedos artesanais no bairro, Marcelo Ghandia conta que a população se sentiu traída pela postura da Secretaria de Tranportes e culpa a gestão do bonde como a principal responsável pelo acidente. 

"Na mesma semana em que inauguraram o teleférico do Alemão, obra que custou milhões, o bonde parou de funcionar porque deixaram-no à míngua. Eu acho que o teleférico foi uma obra necessária, mas você não pode investir tudo aquilo num meio de transporte e deixar outro numa situação caótica como a que chegou aqui", protesta Ghandia. 

No total, o investimento do governo do estado nos novos bondes será de R$ 40 milhões. O contrato com a Carris já foi assinado e o começo das obras de restauração dos trilhos está previsto para este ano. A empresa portuguesa, que já atuou no Brasil na década de 40, crê que o sistema será entregue em 2013. 

"Nossa expecativa é a de que o bonde volte, senão aqui todo mundo vai quebrar. Eu gerencio um espaço que realizava eventos três vezes por semana. Hoje, acontece apenas um por mês", conta o adminsitrador Paulo Fontes. "O que a gente tem descoberto é que, sem o bonde, Santa Teresa se torna um bairro comum".