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UPP é versão vitaminada do Gpae, que acabou corrompido

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Manuela Andreoni, Jornal do Brasil

RIO - A primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) completou um ano no Morro Dona Marta, onde a população comemora a nova rotina livre de tiroteios e do estado paralelo do tráfico. Menina dos olhos da gestão atual da Secretaria Estadual de Segurança Pública, as UPPs, no entanto, são o aperfeiçoamento de um modelo já tentado, os Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais (Gpaes), que inicialmente despertaram nos cariocas a esperança de ver as favelas pacificadas, mas acabaram esvaziados.

A instalação do primeiro Gpae aconteceu em 2000, no Pavão-Pavãozinho e, nos anos seguintes, receberam unidades os morros: Babilônia e Chapéu Mangueira, Providênica, Gardênia Azul, Rio das Pedras e Cavalão e Estado, em Niterói. Não por acaso, os dois primeiros não existem mais. Transformaram-se em UPPs.

Desde sua implantação, a unidade original do Gpae alcançou resultados importantes: reduziu a zero o número de homicídios e ocorrências de bala perdida, assim como aconteceu agora no Dona Marta. A partir daí, cerca de metade das ações dos policiais comunitários era de assistência a doentes e grávidas, enquanto as criminais ficaram com 25% a maioria das quais apreensões de drogas.

Na época, nós acreditávamos muito, porque estávamos iniciando esse processo de polícia comunitária. O problema é que muitas vezes enfrentamos a falta de verba lembra Roberto Aguiar, que ocupou a pasta da Secretaria Estadual de Segurança durante nove meses em 2001, sucedendo Josias Quintal .

Moradora do Pavão-Pavãozinho, a secretária Fernanda Faustino, 31, lembra-se bem da pacificação anterior. E diz que precisará de tempo para aprovar a nova versão.

Foi mais ou menos como está sendo a UPP. Com o tempo, vimos que não era nada daquilo. A paz durou uns três anos. Depois, voltou a ter confronto na comunidade, os bandidos andavam armados... Não sei dizer o que aconteceu. Teoricamente, não precisariam colocar UPP aqui, porque já tinha policiamento... Eles têm que provar que vão fazer o trabalho direito.

O deputado federal Marcelo Itagiba (PMDB), secretário de Segurança Pública do Rio no governo Rosinha Garotinho, conta que um de seus principais obstáculos com os Gpaes foi o desgaste do contingente das unidades.

A polícia começa tomando conta, mas, depois de um tempo de convivência entre os oficiais e a comunidade, ela também se relaciona com elementos do mal e pode haver encontro de interesses (corrupção da polícia). Por isso, é preciso manter um efetivo eficiente, com permanente fiscalização e rotatividade de policiais.

Segundo o coordenador do curso de Aprimoramento da Prática de Policiamento Cidadão, Fabiano Monteiro, da ONG Viva Rio, a implantação do Gpae foi bem diferente. Como no caso das UPPs, primeiro havia a recuperação territorial e o enfrentamento com grandes contingentes e ajuda do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Depois, havia a ocupação e o estabelecimento da unidade. No entanto, o número de policiais que permaneciam dentro da comunidade diminuía na medida em que era registrada uma queda drástica no número de homicídios.

Então, se você tivesse um novo assédio (do tráfico), haveria um aumento da taxa de criminalidade contra um contingente pequeno de policiais conclui Monteiro.

Com as UPPs, ele explica, há a manutenção de um grande número de policiais, mesmo depois da ocupação, alimentada por oficiais que saem das academias diretamente paras a unidades pacificadoras.

Não havia contingente de policias para o Gepae. As UPPs não enfrentam esse problema.

O ex-secretário de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares conclui:

Não haverá nem UPPs nem Gpaes, ou qualquer que seja o novo nome que se dê sem que essa abordagem se converta em uma política de segurança.

Muitas semelhanças e diferenças fundamentais

Em novembro de 2009, Madonna era notícia enquanto visitava a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade Santa Marta acompanhada do governador Sérgio Cabral. Em 2002, era a ida do príncipe Charles ao lado de Anthony Garotinho ao Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (Gpae) do Pavão-Pavãozinho que figurava nos jornais.

Em 2006, foi a vez da Conferência Mundial de Tráfico Ilícito de Armas de Fogo conhecer o Gpae do Morro do Cavalão para apresentar relatório ao Departamento de Informação Pública da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2009, não foi diferente: a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, visitou o Santa Marta pacificado.

Este ano, Tarso Genro, ministro da Justiça, disse que cogitava usar o modelo das UPPs no país inteiro. Em 2003, o mesmo foi dito pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares, então secretário nacional de Segurança Pública, em relação ao Gpae.

Projetos muito parecidos

É quase unanimidade entre os especialistas que os dois projetos, Gpae e UPP, são muito semelhantes. Para o coordenador do curso de Aprimoramento da Prática de Policiamento Cidadão, Fabiano Monteiro, da ONG Viva Rio, porém, as mudanças de metodologia e os recursos disponíveis fizeram toda a diferença:

As duas modalidades são pautadas na relação da polícia com a comunidade, há empatia. No entanto, o processo de instauração é diferente.

O sociólogo Ignácio Cano, que pesquisou os Gpaes e começa um estudo sobre UPPs, considera a mudança política , mas acredita que o atual projeto tem mais chances de vingar:

O fato é que nunca tivemos uma conjuntura melhor para mudança. A atenção internacional sobre o Rio é muito maior, você tem o apoio do governo federal que repassou verbas. Nesse cenário, a aposta por um confronto é desgastante do ponto de vista político.

O deputado federal Marcelo Itagiba simplifica:

Não tem nada de novo. Não importa do que eles querem chamar, mas que se dê continuidade.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública esclarece: a diferença entre os dois é que o Gpae atua em áreas conflagradas, onde ainda há o poder paralelo do tráfico de drogas, tendo, portanto, uma característica operacional. As UPPs são instaladas depois que a comunidade é pacificada pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope). Em seguida há o investimento social e de infraestrutura feitos pelo poder Executivo em todas as suas esferas: municipal, estadual e federal .