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Audiência acaba sem conciliação

Advogada é algemada e detida em Caxias ao pedir para ler contestação de cliente, e OAB pede afastamento de juíza e PMs

Reprodução -
Valéria dos Santos, com os braços para trás e os punhos algemados: ela foi arrastada da sala pelos PMs por ordem da juíza leiga
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Uma advogada foi algemada e detida, ontem, no 3º Juizado Especial Cível (JEC) de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por exigir a leitura da contestação de um processo. Vídeos publicados nas redes sociais mostraram Valéria dos Santos discutindo com uma juíza leiga, que decidiu encerrar a audiência sem que a contestação do réu fosse lida. De acordo com a legislação, juízes leigos conduzem audiências de conciliação, mas não têm as mesmas prerrogativas do juiz togado. O episódio foi repudiado por diversas entidades, incluindo a OAB, que anunciou que vai entrar com uma ação no Conselho Nacional da Justiça (CNJ) contra a juíza leiga e os dois policiais que atenderam a suas ordens.

A discussão começa quando a advogada questiona o fim da audiência decretado pela juíza. “Não encerrou nada. Não encerrou nada”, diz Valéria. “Quem diz isso sou eu”, rebate a juíza leiga. “Tá bom, tudo bem. Espera o delegado chegar”, afirma a advogada, referindo-se ao delegado da Ordem dos Advogados do Brasil. ‘‘Está liberado”, insiste a juíza. “Não, a gente vai esperar aqui o delegado da OAB”. “Pode esperar lá fora”. “Não, vou esperar aqui”. “Então quer que eu chame o policial?”. “Por favor, chame o policial”. “Tá atrapalhando a audiência”. “Por favor, chame o policial”, devolve Valéria, ao lado de sua cliente.

Macaque in the trees
Valéria dos Santos, com os braços para trás e os punhos algemados: ela foi arrastada da sala pelos PMs por ordem da juíza leiga (Foto: Reprodução)

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Valéria dos Santos, com os braços para trás e os punhos algemados: ela foi arrastada da sala pelos PMs por ordem da juíza leiga (Foto: Reprodução)

Os policiais aparecem, e Valéria diz, já de pé: “Eu estou indignada de vocês, e essa senhora também, como representantes do Estado, atropelarem a lei. Eu tenho direito de ler a contestação e impugnar os pontos da contestação do réu. Isso está na lei. Eu não estou falando nada absurdo”. O PM diz então que vai averiguar, enquanto Valéria tenta acalmar a cliente: “Eu estou no meu direito. Estou trabalhando. Não estou roubando, não estou fazendo nada, não”.

Outros advogados presentes na sala discutem o horário das audiências seguintes, e Valéria critica os colegas por não tomarem seu partido: “Eles estão querendo que pare com a audiência e atropele a lei. O que é isso? Que país é esse? Aí depois vocês querem reclamar de político que rouba? E fazem tudo errado? Se vocês são advogados, vocês não estão respeitando a lei?”. “Doutora, você não está respeitando a gente”, responde um advogado. “Eu não estou respeitando? Eu estou defendendo o direito da minha cliente”, justifica Valéria.

Num outro vídeo, Valéria já aparece algemada, sendo arrastada pelos PMs: “Eu estou trabalhando. Eu quero trabalhar. Eu tenho o direito de trabalhar. É meu direito como mulher, como negra, é trabalhar. Eu quero trabalhar. Eu quero exercer o meu direito de trabalho”, reclama a advogada, que volta a criticar os colegas. “Já chamei [o delegado da OAB]. Eu fui chamar. Algum colega chamou? Vocês são tão meus amigos, tão colegas de profissão que vocês não chamaram. Vocês ficaram calados. Vocês ficaram calados. Vocês não chamaram ninguém. Eu tive que eu mesma sair. Eu estou sozinha. Você não é amigo. Se você fosse colega, você seria o primeiro a chamar o delegado. Você não chamou”, disse.

A Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio repudiou a detenção da advogada: “Nada justifica o tratamento dado à colega, que denota somente a crescente criminalização de nossa classe. Iremos atrás de todos os que perpetraram esse flagrante abuso de autoridade. Juntos somos fortes”, afirmou o presidente da comissão, Luciano Bandeira.

A presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rita Cortez, também se mostrou indignada: “O episódio revela grave e inadmissível desrespeito à advocacia, merecendo resposta firme e enérgica, para que este tipo de conduta não se generalize ou venha a se repetir por parte de quem quer que seja”, declarou a presidente nacional do IAB.

Reprodução - Valéria dos Santos, com os braços para trás e os punhos algemados: ela foi arrastada da sala pelos PMs por ordem da juíza leiga