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Crítica teatro: 'Xanadu', por Ana Lúcia Vieira de Andrade

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Xanadu é uma referência utilizada com certa constância pela cultura ocidental para simbolizar esplendor, opulência e beleza. Aparece pela primeira vez nos escritos de Marco Polo sobre suas viagens à China no final do século XIII. Por volta de 1614, surge na Inglaterra outro livro sobre peregrinações, assinado pelo clérigo Samuel Purchas, que faz menção ao lugar Xanadu, onde Kubla Khan teria construído seu palácio. É desta publicação que Coleridge, um dos principais poetas ingleses do romantismo, tira a inspiração para seu poema que começa “In XanadudidKubla Khan...” (alusão ao imperador chinês).  

No ano de 1980, quando a indústria cinematográfica norte-americana produz o musical Xanadu, estrelado por Olivia Newton-John, procura resgatar através deste nome o conceito de lugar onde sonhos e utopias são concretizados. Assim, o personagem Sonny Malone é inspirado por uma musa grega, Terpsícore, que vem à Terra disfarçada como a mortal Kira,a construir sua Xanadu, um roller disco (divertimento muito em voga no início dos anos de 1980),  onde as pessoas iriam dançar e cantar sobre patins. O filme, apesar de ter conseguido promover algumas de suas canções aos primeiros lugares da parada de sucessos da época, não obteve boas resenhas críticas e foi considerado um fracasso pela mídia em geral.  Antes dele, outra fita produzida em Hollywood com sinopse semelhante, Down ToEarth, de 1947, também com uma estrela no elenco, Rita Hayworth, tampouco obteve resposta muito positiva do público. No caso de Xanadu, contudo, o fracasso se transformou em algum êxito anos mais tarde, já em pleno século XXI, quando produtores trouxeram para os palcos da Broadway uma adaptação da história original.

A versão que se encontra em cartaz no Teatro Oi Casagrande está longe de ser uma simples transposição do material encenado nos palcos norte-americanos. Com tradução de Artur Xexéo, o texto foi mais propriamente adaptado e recriado para se adequar aos objetivos de um musical carioca, com alusões à cidade e a alguns de seus pontos mais conhecidos.  Em vez de descer à Terra na Paris de 1880, Terpsícore e suas irmãs caem na Praça Paris em 1980, num universo de gosto duvidoso, repleto de cores fortes e exageros, numa espécie de brincadeira com o kitsch que marcou a época em que a ação se desenvolve.  

Com poucas referências espaciais ao Rio de Janeiro, o cenário, sem maiores elaborações, parece querer reproduzir no chão, de maneira estilizada, o desenho do anfiteatro grego (afinal, trata-se de mitologia), sem, contudo, explorar em demasia tal ideia.   

Como em outros musicais, são os figurinos e os objetos de cena que ficam com a responsabilidade de marcar visualmente o espetáculo, e o fazem de maneira satisfatória, dentro do espírito cafona adotado. A alta qualidade dos recursos técnicos surpreende, principalmente nos voos de Kira e Sonny e na subida ao Olimpo. A iluminação de Paulo César Medeiros resulta um espetáculo à parte, que faz explodir em beleza e cor o palco, contribuindo de modo especial para que o resultado do todo tenha um destaque maior.

A direção de Miguel Falabella é segura e competente, realizando muito bem as transições espaço-temporais.  No entanto, a opção por abusar da piada de caráter metalinguístico, que desvenda continuamente o fazer teatral num estilo “besteirol”, enfraquece o todo, pois acaba por tornar-se um recurso repetitivo, já bastante utilizado até mesmo em programas de televisão nos quais o diretor atuava.

O trio central do elenco se sai bem, com destaque para o vozeirão e o carisma de Sidney Magal. Daniele Winits consegue sobreviver ao figurino de Barbie, defendendo sua Kira com classe e beleza. Thiago Fragoso, apesar de não possuir grande voz, empresta simpatia a seu Sonny. O trabalho dos coadjuvantes também se sobressai, principalmente os de Gottsha, Sabrina Korgut, Fabrício Negri e Maurício Xavier. As coreografias de Fernanda Chammacriam momentos de interesse e a direção musical de Carlos Bauzys é de qualidade.  As letras das canções são bem traduzidas e mantêm o espírito do original.

Xanadué uma história românticaque pouco convence por ter seu pequeno potencial dramático escassamente explorado. Mas, esse, ao que parece, não é um problema específico da montagem brasileira. O texto original já carrega essa imperfeição.  

Cotação: * (Regular)