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Crítica: Tim Maia - Vale Tudo, o musical

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TIM MAIA- VALE TUDO, O MUSICAL (Ana Lúcia Vieira de Andrade / Cotação: *** (Ótimo)   

O gênero musical tem ocupado os palcos cariocas nos últimos anos com espetáculos de alta qualidade técnica e artística. Se há duas décadas formar elencos homogêneos, que mostrassem desempenho de alto padrão tanto nos números de canto e dança quanto no trabalho interpretativo do material dramatúrgico, era tarefa árdua, nos últimos anos temos visto o oposto: são vários os atores que, em termos técnicos, demonstram vigor e aptidão acima da média para atuar em ambas as frentes. Assim, um gênero que não era visto com muita frequência em nossos teatros passou a fazer parte do cotidiano das produções cariocas. O que se ganha com isso? Maiores investimentos econômicos e um nível de profissionalismo cada vez mais elevado. O que se perde com isso? Um pouco do espírito experimentalista e do gosto pela ousadia, principalmente no que diz respeito à construção dramática e às questões que giram em torno das possibilidades de representação e narratividade em cena.

'Tim Maia: Vale Tudo, o musical' é, nesse sentido, um espetáculo surpreendente, pois alia o extremo profissionalismo e expertise técnica das grandes produções musicais recentes ao desejo mais atrevido de experimentar em torno da tensão produzida entre o original narrativo que serve de base à peça, a biografia escrita por Nelson Motta, intitulada “Vale Tudo: o Som e a Fúria de Tim Maia”, e os padrões tradicionais do gênero dramático, que são, em geral, subvertidos pela adaptação cênica, resultado do ótimo trabalho conjunto de Nelson Motta e João Fonseca. Não se pode negar que o ponto de partida, a figura exorbitante e imoderada de Tim Maia, coloca-se, por si só, como uma fonte quase inesgotável de criação, a ser explorada a partir de uma ampla variedade de recursos. Contudo, justamente por ter sido personalidade tão singular, esse excepcional cantor e compositor acabaria por converter-se num desafio aos que buscam interpretá-lo. Tal desafio, no entanto, é superado com louvor pelo fantástico trabalho interpretativo de Thiago  Abravanel, que consegue realizar a tarefa quase impossível de encarnar o personagem sem basear sua performance na semelhança física ou na simples imitação exterior, recriando-o a partir do entendimento profundo de sua solidão. Aliás, todo o elenco do espetáculo apresenta desempenho extraordinário, com destaque para Reiner Tenente (que faz os papeis de Roberto Carlos e do próprio autor da peça, Nelson Motta) e Isabela Bicalho.

Fiéis à opção estética do encenador de trabalhar com uma teatralidade explícita, que se assume como representação, os figurinos preocupam-se em traduzir uma época sem procurar imitá-la, usando, muitas vezes, cores vivas, numa referência ao próprio universo criativo de Tim Maia. Cenários também seguem essa linha, utilizando de maneira proveitosa adereços e elementos alegóricos com função narrativa. A cortina que desvenda a cena, feita para reproduzir antigos discos Long Play em vinil, é um achado de grande beleza e insere o espectador com eficácia no espaço em que a ação se desenrola.

'Tim Maia: Vale Tudo, o musical'é um espetáculo emocionante e de alto poder de comunicação com a plateia, que se entrega com prazer ao resgate de um estilo musical e de uma personalidade notáveis.

TIAGO ABRAVANEL – VALE TUDO ! (Teresa Mascarenhas / Cotação: ** (Bom) 

O que seria, na verdade, o gênero musical ?Alguns afirmam que existem duas vertentes principais para o Teatro Musical, que vem se tornando a coqueluche dos palcos brasileiros e do público: os biográficos e discográficos, além daqueles  conduzidos por dramaturgia própria, clássica ou moderna. 'Tim Maia – o Musical pertence ao primeiro grupo e eu não chamaria de musical propriamente dito, mas de um show, com um cover de um ídolo, um set list e uma biografia narrada com trilha sonora. O epetáculo é uma adaptação do livro homônimo de Nelson Motta, que também responde pela parte dramatúrgica do texto, e conta a trajetória de vida do cantor, menino pobre, que passou por diversas situações desde o complexo pelo excesso de peso e solidão afetiva e a prisão por porte de drogas e roubo de carro, até chegar à fama. As soluções dramáticas, se perdem muito na montagem, que segue a opção da narrativa em flashback, recheada de citações em frases e standards do cantor, dos primeiros anos da carreira, passando pelos anos de sucesso e chegando ao triste desfecho com sua morte trágica, no palco do Theatro Municipal de Niterói, em 1998.

A direção de João Fonseca mostra falta de criatividade cênica. As soluções encontradas para a movimentação do coro são pobres, seja nas marcações dos solos, seja nos ensembles. Os figurinos não têm boa concepção teatral e o cenário também deixa a desejar no quesito adereços, alegorias e objetos de cena, para o que se pretende num espetáculo desse porte. Mas o estúdio de gravação funciona bem e os leds são apropriados para o clima dos shows. As coreografias são muito repetitivas e sem originalidade. Do elenco, destacam-se as atuações e bonitas vozes de Lilian Valeska e Evelyn Castro, os demais atores apresentam uma interpretação mediana e no caso dos personagens Nelson Motta e Roberto Carlos, obedecendo à linha da direção, ficam muito caricaturais em contraponto com a verdade da criação de Tim Maia.

A direção musical e arranjos são de Alexandre Elias, que reproduz, com arranjos por vezes muito lentos, a estética sonora da banda Vitória Régia, que toca ao vivo. O capítulo à parte e que transcende os problemas que o musical apresenta, é o Tim Maia criado por Tiago Abravanel. Um jovem de 23 anos, uma grata revelação, com seu talento pessoal -  ele vale o show! Incorporou e interpreta Tim Maia de forma definitiva e, com sua bela voz, consegue prender a platéia sempre que está em cena. Outro destaque, que contribui, sem dúvida, é a luz de Paulo César Medeiros, esse iluminador, que aprendeu tudo sobre musicais em trabalhos anteriores, emprestou força e beleza em todas as interferências de luz por ele desenhadas, sobretudo à última cena.