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Crítica - "Chico", o novo CD de Chico Buarque

Um disco simples e genial, com gosto de "quero mais"

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Discos como os de Chico Buarque não devem ser ouvidos às pressas, ainda mais quando ainda inéditos. Uma, duas, três, quatro, cinco audições, no mínimo, são necessárias para que diversas nuances sejam percebidas, que os coloridos harmônicos nos encham os olhos, e as poesias e melodias que só ele faz se façam entender. E quando o disco em questão é Chico, fica fácil ouvir apenas cinco vezes seguidas.

A simplicidade do nome dado ao novo CD se reflete nas 10 faixas. Sim, apenas 10. Nesse caso, simplicidade tem a ver com genialidade. Não aquela dos tempos da censura, que fique bem claro. Mas a genialidade de quem não precisa mais dela, mas a tem, fazer o quê?

Talvez esta seja a obra mais interessante de Chico Buarque, desde Paratodos. Com uma pequena, mas importante, renovada no time de músicos, o disco traz uma coleção de canções que têm em comum o amor como tema, distribuído por histórias e personagens diversos, cada um com suas particularidades.

Do homem solitário que, enfim, descobre o amor (Querido diário), àquele de cabelo "cinza" que se envolve com uma mullher mais nova - de fios "cor de abóbora" (Essa pequena) - Chico desfila seus poemas emoldurados por arranjos e performances de extremo bom gosto do maestro Luiz Claudio Ramos e seus instrumentistas.

Em entrevista disponibilizada para a imprensa via web, Chico dá uma pista sobre a evidente maturidade das gravações no CD: os takes foram feitos sem pressa, na casa de Luiz Claudio, onde o tempo de estúdio estava liberado, sem o famigerado relógio contando dinheiro. Tudo pôde ser ensaiado, visto e revisto, no tempo necessário. E quando se tem tempo de sobra, bons músicos e apenas dez músicas de Chico Buarque para gravar, o resultado não pode ser nada menos que ótimo.

Estilisticamente, não há surpresas. Chico mantém uma deliciosa sonridade acústica, com canções em forma de toada, samba, baião, valsa, marcha, mas sempre com o molho e a supervisão de Luiz Claudio, que garante a ausência de exageros e clichês.

É difícil apostar em quais das músicas entrarão para o rol das que ficarão marcadas como clássicos de Chico Buarque. Mas há grandes candidatas. 

Em Rubato, Chico é parceiro do baixista Jorge Helder, e aproveita o clima de marchinha para ironizar aqueles compositores que roubam músicas de outros, e retocam os versos "com o maior talento".

Essa pequena também é séria candidata à imortalidade, aquela do relacionamento entre o homem mais velho e a menina de cabelo abóbora: "Sinto que vou penar com essa pequena/ Mas o blues já valeu a pena", diz a letra.

Em Se eu soubesse, Chico convidou a cantora Thais Gulin para dividir as agruras de um casal que, aparentemente, se arrependeu amargamente de tudo o que fez na vida, e que resultou no encontro de ambos. "Ah, se eu soubesse não andava na rua", diz ele. "Ah, se eu soubesse nem olhava a Lagoa/ Não ia mais à praia", responde ela. Mas ambos cantam juntos: "Mas acontece que eu sorri para ti/ E aí, larari, lariri, por aí".

Já Sem você 2 mostra o dilema de um homem que perdeu sua amada, e vive entre esta perda e o ganho da liberdade: "O tempo é todo meu/ Dá até pra ver o futebol".

Chico decidiu gravar também a não mais inédita Sou eu, feita com Ivan Lins e já registrada em disco pelo parceiro. Valeu a pena a nova versão, que inclui a participação de Wilson das Neves. Velho companheiro de Chico, neste disco Wilson deixa as baquetas e ataca de cantor, mas com o mesmo suingue do ritmista.

Chico é simples, curto e maravilhoso, com gosto de "quero mais".