ASSINE
search button

Para Condepe, PM foi único a disparar em crime contra jovem de 14 anos

Compartilhar

O coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe) disse que a reconstituição do crime contra o adolescente Luan de Souza, de 14 anos, morto no mês passado com um tiro na nuca, indicou que um policial militar foi o único a fazer disparos de arma de fogo na ocasião. O advogado Ariel de Castro Alves acompanha o caso desde o início.

O jovem foi atingido em uma viela do bairro Parque João Ramalho, município de Santo André, na Grande São Paulo, próximo de onde morava, durante uma ação da Polícia Militar (PM) em 5 de novembro deste ano. “Após mais de um mês do crime, o acusado continua impune”, disse Alves.

“Não foram encontrados vestígios de que mais alguém tenha efetuado disparos”, disse Alves baseado nos laudos da investigação, que encontraram apenas vestígios de disparos de armamento de calibre .40, de uso da Polícia Militar. Além disso, pelo menos três testemunhas que participaram da reconstituição afirmaram que o tiro que matou Luan foi disparado pelo policial e que não houve confronto nem troca de tiros.

A defesa dos policiais envolvidos, no entanto, mantém a versão de que houve confronto e que também houve disparos na direção dos policiais. “O laudo da reprodução simulada ainda não foi expedido, nem o de confronto balístico, ambos essenciais à busca da verdade. Portanto é bastante prematuro afirmar que o policial militar foi o único a disparar”, avaliou a defesa.

Inicialmente, o caso foi registrado por dois policiais como “morte decorrente de oposição à intervenção policial”. O Boletim de Ocorrência descreve uma cena de troca de tiros entre um grupo de jovens, que estaria com um revólver calibre .38, e o cabo Alécio José de Souza, que portava a pistola calibre .40. No entanto, no mesmo boletim, os policiais disseram que nenhuma arma de fogo foi encontrada em posse de Luan.

Para detectar a presença de resíduos de disparo de arma de fogo nas mãos de Luan e de outros dois jovens, detidos inicialmente por suposta troca de tiros, foi realizado o exame residuográfico que deu resultado negativo para os três rapazes. Os dois detidos foram liberados no mesmo dia do crime, porque não estavam armados e não havia indícios de que teriam atirado contra os policiais.

Os dois policiais militares envolvidos na ocorrência estão afastados das ruas cumprindo apenas serviços administrativos no 10º Batalhão da Polícia Militar, em Santo André. As armas deles foram recolhidas pelo batalhão.

Reconstituição

A reconstituição do crime, ocorrida na última quinta-feira (14), contou com a participação de cinco jovens, que reforçaram e detalharam os depoimentos já colhidos pela Corregedoria da PM e no 2º Distrito Policial (DP) de Santo André. “Esses jovens testemunharam quando o PM Alécio entrou na viela já efetuando três disparos, sendo que um dos disparos acertou Luan na nuca”, contou Alves.

Na manhã daquele dia, Luan saiu de casa acompanhado por um amigo para comprar bolachas em um mercadinho, enquanto o almoço não ficava pronto. De acordo com depoimentos dados à Polícia Civil e à Corregedoria da PM, os dois pararam na viela para cumprimentar outros amigos que rodeavam e desmontavam uma moto, quando, em menos de dois minutos, um policial chegou com arma em punho e gritando “perdeu, perdeu”. Os rapazes correram e o policial disparou, atingindo Luan na nuca, segundo as testemunhas.

Os policiais envolvidos mantiveram, durante a reconstituição, sua versão do depoimento. Segundo eles, ambos procuravam ladrões de uma moto que havia sido furtada do pátio de apreensão de veículos da prefeitura de Santo André e, com a aproximação da viatura, os jovens saíram correndo, quando então teria começado a troca de tiros.

Testemunhas disseram que, na viela, havia uma moto preta estacionada pertencente a um morador e uma moto vermelha, furtada na madrugada anterior e levada ao local por um rapaz de outro bairro de Santo André, que não está entre as testemunhas. No entanto, não há qualquer evidência de que Luan teria alguma relação com a moto furtada. Ele também não tem passagem pela polícia.

Moradores também disseram ter visto os PMs movendo o corpo de Luan para colocá-lo próximo da moto furtada. Os policiais negaram, em depoimento, terem alterado a posição do corpo, afirmando que somente verificaram se havia arma em posse do rapaz. Os jovens que estavam com Luan antes dos disparos tentaram voltar para prestar socorro, mas disseram que foram impedidos pelos policiais.

Uma mulher que mora próximo ao local do crime e também participou da reconstituição contou ter ouvido os disparos e, em seguida, o policial dizer “derrubei um”, em referência à morte de Luan.

Letalidade policial

Dados da Secretaria de Segurança Pública indicam que a Polícia Militar matou 630 pessoas de janeiro a setembro deste ano, no estado de São Paulo. “Os números de mortes de civis por policiais são os maiores dos últimos 15 anos”, lembrou Alves.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que compilou os dados do primeiro semestre deste ano (de janeiro a junho), quando as ações policiais do estado mataram 459 pessoas, concluiu que este foi recorde em relação a anos anteriores.

Sobre a reconstituição, a Secretaria de Segurança Pública disse, em nota, que demais laudos estão sendo finalizados e deverão ser confrontados, antes da divulgação de qualquer resultado e que mais detalhes não podem ser passados para não atrapalhar as investigações.