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Tentativa de ocultar dinheiro e 16 quilos de ouro levou Nuzman à prisão

MPF requer ainda o bloqueio do patrimônio de Nuzman e Gryner em até R$ 1 bilhão

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O mandado de prisão temporária desta quinta-feira (5) contra o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) Carlos Arthur Nuzman teve como um dos motivos a tentativa de ocultar bens, como valores em espécie e 16 quilos de ouro que estariam em um cofre na Suíça. As informações são do Ministério Público Federal (MPF).

Os investigadores da força-tarefa da Lava Jato no Rio apontam que as apreensões na primeira etapa da Operação Unfair Play, em 5 de setembro - quando Nuzman foi intimado a depor e sua casa foi alvo de mandado de busca e apreensão - o levaram a fazer uma retificação na declaração de Imposto de Renda, duas semanas depois, em uma suposta tentativa de regularizar bens não declarados.

>> Veja a medida cautelar na íntegra

Um dos objetos apreendidos foi uma chave, que estava junto com cartões de agentes de serviços de locação na Suíça. Para o MPF, são indícios de que Nuzman guardou o ouro lá. “Enquanto os medalhistas olímpicos buscavam a tão sonhada medalha de ouro no Brasil, dirigentes do comitê olímpico guardavam o seu ouro na Suíça”, destacou a procuradora Fabiana Schneider. 

O texto do documento de pedido de prisão diz que, "ao fazer a retificação da declaração de imposto de renda para incluir esses bens, em 20/09/2017, [Carlos Nuzman] claramente atuou para obstruir investigação da ocultação de patrimônio" e "sequer apontou a origem desse patrimônio, o que indica a ilicitude de sua origem". 

“Existe uma situação de ocultação dos recursos em poder do representado e em outros países, o que dificulta o rastreio desses recursos e consequente recomposição dos danos ao erário. A atitude adotada em momento seguinte à deflagração da Operação Unfair Play demonstra obstrução das investigações sobre a ocultação patrimonial. Além disso, documentos apreendidos na residência de Nuzman demonstram que grande parte de suas contas é paga em espécie: um engendro característico do sistema de lavagem de capitais”, detalham os procuradores. Em razão das proporções mundiais do fato, o MPF requer, ainda, pelos danos morais causados, o bloqueio do patrimônio de Nuzman e do diretor de marketing do COB e de comunicação e marketing do Comitê Rio-2016, Leonardo Gryner, em até R$ 1 bilhão.

Os investigadores acreditam que os rendimentos declarados são insuficientes para justificar a variação patrimonial em 2014, e dizem que a omissão seria de, no mínimo, R$ 1,87 milhão.

Para o MPF, nos últimos 10 anos dos 22 anos de presidência do COB, Nuzman ampliou seu patrimônio em 457%, e não haveria indicação clara de rendimentos. Em 2014, o patrimônio teria dobrado, com acréscimo de R$ 4.276.057,33. "Chama a atenção o fato de que desse valor, R$ 3.851.490,00 são decorrentes de ações de companhia sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal", diz relatório do pedido de prisão.  

Além de Nuzman, também foi preso Leonardo Gryner. O MPF alega que as prisões foram necessárias para garantir a "ordem pública", para bloqueio de patrimônio e para impedir interferência nas provas. 

O MPF reforça, contudo, que não houve movimentação para afastar Nuzman e Gryner de suas funções no COB. "Assim, ambos continuam gerindo os contratos firmados pelo COB, mediante uso de dinheiro público além do pleno acesso a documentos e informações necessárias à produção probatória."

O COB ainda não se posicionou sobre a prisão de Nuzman e informou que Paulo Wanderlei, vice-presidente do COB, assume provisoriamente o cargo. Nuzman e Gryner cumprirão a prisão provisória, de cinco dias, na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio, onde Cabral também cumpre pena.

Farra dos guardanapos

A procuradora Fabiana Schneider explicou que durante as apreensões feitas na primeira fase foram encontrados documentos que comprovaram a participação de Nuzman e de Leonardo Gryner no esquema da organização criminosa comandada pelo ex-governador Sérgio Cabral. Entre os documentos apreendidos está uma foto em que Nuzman aparece no episódio que ficou conhecido como “farra dos guardanapos”, que ocorreu em Paris em setembro de 2009 e é apontado pelo Ministério Público Federal como uma comemoração antecipada pela escolha do Rio para sediar os jogos.

“Com a continuação da operação, tivemos uma primeira rodada de buscas, na qual foram colhidos materiais bastante consistentes e importantes, que nos fizeram chegar na fase de hoje. A primeira parte diz respeito a e-mails com conteúdo bastante revelador que comprovam a participação de Nuzman e Gryner, que demonstram os pagamentos brasileiros ao Papa Massata Diack [filho do então presidente da Federação Internacional de Atletismo, o senegalês Lamine Diack, também membro do COI], que não se destinava a uma pessoa só”, afirmou a procuradora.

A polícia também localizou um dossiê produzido pelo ex-secretário de Saúde do Rio Sérgio Cortes, outro membro da organização que está preso, feito a pedido do Nuzman contra uma pessoa que era seu concorrente na eleição para a presidência do COB, o que, segundo a procuradora, caracteriza o elo de Nuzman com os investigados.

O advogado de Carlos Arthur Nuzman, Nélio Machado, negou as acusações e afirmou que a receita de seu cliente é compatível com seus ganhos, declarada no Imposto de Renda. “Isso é uma matéria de mérito e que pouco tem a ver com a medida constitutiva de uma prisão sem a formalização de um processo penal. A defesa responderá ponto por ponto, item por item, a todas as indagações, com a segurança absoluta de que tem se uma acusação que está destituída de fundamento, de respaldo, de base, e consequentemente ela vai ser afastada por completo, na medida em que se observe o devido processo legal. Se prevalecer a ideia de que se pode condenar independentemente de provas, nem Jesus Cristo se salvaria”, comparou.

Ganha-ganha

De acordo com o procurador Rodrigo Timóteo, já foram identificados depósitos de US$ 450 mil para Papa Massata Diack, além dos US$2 milhões identificados anteriormente, e reuniões de Gryner com Lamine Diack em Berlim e em Paris poucos dias antes da “farra dos guardanapos”.

“Desde o começo tínhamos a comprovação da compra de votos e foi deflagrada a primeira etapa. Com as apreensões, foi comprovado que Nuzman e Gryner tiveram diálogos bem francos e diretos com Diack, falando de valores, e nós vamos provar que tiveram mais valores”.

Segundo Timóteo, existia um esquema de ganha-ganha na organização criminosa, já que pelo menos quatro envolvidos receberam benefícios na realização dos Jogos no Rio. “Arthur Soares, que depositou os valores iniciais para Lamine, abriu empreendimento hoteleiro na Barra da Tijuca, com captação de recursos no mercado com fundos de pensão e tinha contratos com o Comitê Organizador. Marco de Luca foi contratado pelo valor de R$ 90 milhões para prestar serviços de alimentação e hospitality ao Comitê Organizador. Teve também a contratação de empresas de Jacob Barata Filho para prestar serviço de transporte ao comitê. Além da já citada participação de Sérgio Cortes pra elaborar o dossiê”, listou.

Operação Unfair Play

A Operação Unfair Play foi resultado do trabalho conjunto de cooperação internacional entre os órgãos de persecução do Brasil, da França, da Antígua e Barbuda, dos Estados Unidos e do Reino Unido, que permitiu que viesse a público os bastidores da escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Vasta documentação e provas robustas revelaram que a organização criminosa do ex-governador Sérgio  Cabral comprou o voto do presidente da Federação Internacional de Atletismo, Lamine Diack, por 2 milhões de dólares.

O pagamento pelos votos veio da empresa Matlock Capital Group, do empresário “Rei Arthur”, que repassou a propina que pagaria a Sérgio Cabral diretamente para o senegalês, em troca dos votos pela escolha da cidade-sede das Olimpíadas de 2016. Neste grande esquema ganha-ganha, Arthur Soares é mais um dos integrantes dessa grande organização criminosa. O esquema criminoso completa-se com a ponta faltante: a atuação do Comitê Olímpico Brasileiro, por atuação de Carlos Arthur Nuzman, figura central nas tratativas para escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, e de seu braço-direito Leonardo Gryner. 

>> PF prende Nuzman e diretor-geral do Comitê Rio 2016