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Movimentos querem habitação popular em área da Marinha no Recife

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Moradores das comunidades de Santo Amaro, no Recife, e movimentos da sociedade civil organizada criticaram hoje (22), em audiência pública, o Plano Urbanístico para a região da Vila Naval, território que a Marinha tem interesse em disponibilizar para a iniciativa privada em troca da construção de novas residências para militares. O projeto, anunciado pela prefeitura do Recife no início do mês, autoriza a construção de prédios de até 21 andares no espaço. 

O Plano Específico Santo Amaro Norte delimita a área entre a Avenida Norte, Avenida Agamenon Magalhães e o estuário do encontro entre os rios Capibaribe e Beberibe. É nesse estuário que fica a Vila Naval, um espaço murado da Marinha onde fica uma antiga vila operária, moradia de militares da corporação.

Para que a área possa ser explorada pela iniciativa privada, a prefeitura precisava elaborar um Plano Urbanístico que contemplasse também a Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do local, onde está a maior parte da população de Santo Amaro: 15.379 dos 16.473 habitantes da região. No local, a renda média por pessoa, de acordo com a prefeitura, é de menos de R$ 300. As diretrizes do plano definem o que pode ser construído e quais as compensações que o setor imobiliário precisa dar ao Poder Público e à sociedade para explorar os terrenos.

Várias lideranças das comunidades que compõem a Zeis, no entanto, reclamam da falta de uma discussão ampla com os moradores. Um dos questionamentos do grupo, segundo um de seus coordenadores, André Torres, é a respeito do uso da área da Vila Naval unicamente para habitações que serão vendidas pelo mercado, sem preocupação com a moradia popular.

“Sabemos que há dificuldade de se encontrar terreno com viabilidade para se construir habitação de interesse popular no Recife. Já que tem o terreno, que é da União, e está sendo negociado para a iniciativa privada, nós queremos nossa participação ali também. Construção de habitação, novos equipamentos públicos, novo mercado público de Santo Amaro, escola, tudo o que for de benefício para a sociedade”, defendeu Torres.

Uma lista de intervenções incluídas no Plano Urbanístico foi apresentada pela prefeitura como benefícios às comunidades de Santo Amaro, como 16 novas praças e a requalificação do mercado público da região. Na área habitacional, uma das mais questionadas pelos presentes, o Executivo local disse que serão construídas 1 mil unidades habitacionais populares nas próprias comunidades, com espaço para comércio e residência.

O grupo Direitos Urbanos (um dos principais organizadores do Ocupe Estelita) criticou o plano avaliando que se trata de uma promessa sem garantia. “Em outras intervenções, mesmo com a promessa de realocar na comunidade, teve gente que ficou anos sem moradia adequada. No Pilar tem gente há 16 anos no auxílio moradia. No Coque teve gente que saiu de casa com R$ 4 mil de indenização. Então é preciso ter um plano detalhado, um cronograma, onde as pessoas vão ficar, quanto vai custar. São promessas muito vazias”, afirmou Leonardo Cisneiros, integrante do movimento.

Ele também defendeu a necessidade de criar habitações sociais dentro da Vila Naval.

O grupo Direitos Urbanos pediu a realização de novas audiências públicas para ampliar o debate com a sociedade. O coletivo pretende fazer uma contraproposta e se reunir com o Ministério Público de Pernambuco para tratar do tema.

Líderes comunitários que falaram durante a audiência também mostraram interesse na geração de empregos na região. Liderança na Vila dos Casados, Marli Marques, 60 anos, entregou um documento à prefeitura com reivindicações de moradia, educação e criação de novas oportunidades. “Queremos 70% dos empregos diretos e indiretos para dentro da comunidade, tanto na construção civil como nos empreendimentos. Que a comunidade seja capacitada para trabalhar lá.”

Setor imobiliário

De acordo com o arquiteto Sandro Guedes, assessor técnico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), o setor está preocupado com os valores a serem cobrados para que o mercado dê sua contrapartida social pelo uso do território.

“Associados ao valor que vai ter que se pago à Marinha, podem viabilizar ou não a concretização desse plano”.

Ele criticou a ideia de criar habitações de interesse social nos empreendimentos privados. “A gente não pode comparar Recife com Nova York, Paris ou Copenhague. Nesses locais, a maioria dos projetos prevê bastante benefício para o empregador, isenções fiscais. Aqui, a prefeitura não tem recursos para investir nesses empreendimentos. A iniciativa privada tem que pagar a Marinha, o custo de toda a infraestrutura: ruas, instalação elétrica, esgoto, paisagismo”, disse Guedes.

A assessora técnica da Ademi e também consultora do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Pernambuco (Sinduscon/PE), Elka Porciúncula, disse que a existência de habitações sociais não surte efeito transformador prático nas comunidades. “A gente tem isso com a melhoria da situação social das pessoas. Com escola, saúde, educação de nível médio, elas vão estar integradas a esse mercado que vai abrir. Sem qualificação, sem educação, a gente não vai conseguir isso. Não é uma cota solidária de 5%, 10% do terreno que vai conseguir dar essa inclusão”, disse a arquiteta.

Sem novas audiências

Em resposta à sugestão de realização de novas audiências públicas para ampliar o debate sobre o plano com a sociedade, o secretário de Planejamento Urbano do Recife, Antônio Alexandre, disse que serão marcadas reuniões específicas com as comunidades para construir um plano específico para as Zonas de Interesse Social. As datas ainda não foram definidas.

Para o Plano Urbanístico que já está em discussão, a etapa de participação popular foi encerrada na audiência de hoje. Agora serão realizadas discussões técnicas no Conselho da Cidade do Recife, para que o município chegue a uma proposta final que será encaminhada à Câmara de Vereadores. “E aí sim o Legislativo possa reabrir esse debate”, disse o secretário.