ASSINE
search button

'The New York Times': No Brasil, luta contra corrupção prejudica estabilidade política

Artigo analisa caos político do país desde impeachment de Dilma

Compartilhar

Por que o Brasil está novamente mergulhado no caos político? Com esta pergunta começa o texto publicado neste domingo (28) pelo jornal norte-americano The New York Times. 

Ha menos de um ano atrás, a presidente Dilma Rousseff foi acusada e forçada a sair do cargo em um redemoinho de reclamações sobre questões orçamentárias. Agora seu sucessor, Michel Temer, encontra sua presidência em perigo também.

As fitas que surgiram recentemente parecem capturar Temer, que já estava sob investigação por corrupção, aprovando subornos pagos a um legislador que foi preso por corrupção, entre outros crimes de lavagem de dinheiro ligados a lava jato. Muitos agora acreditam que ele também enfrentará um impeachment, diz o editorial do NYT.

Na última semana Temer colocou os militares nas ruas de Brasília, depois que milhares de manifestantes entraram em confronto com a polícia. Embora o ministro da Defesa tenha dito que as tropas foram enviadas apenas para "restaurar a ordem", muitos viam a mudança como um sinal de profunda insegurança de um governo já fraco.

A ciência política sugere que este é um exemplo de como as "ilhas de honestidade" em sistemas corruptos - como procuradores e tribunais independentes com a disposição e autoridade para impor o Estado de Direito - podem entrar em conflito com redes de corrupção arraigadas e elites políticas para se protegerem.

E à medida que as forças honestas e corruptas lutam uma contra a outra, seus confrontos podem ter efeitos imprevisíveis no sistema político.

Impeachment controverso

"Temos que fazer um pacto", disse Romero Jucá, um influente legislador, em março de 2016, a Sergio Machado, ex-executivo de uma subsidiária da Petrobras, enquanto os dois homens discutiam a necessidade de substituir Dilma  Rousseff para proteger a si e aos outros de acusações de corrupção.

Foi uma escolha adequada de palavras. Na ciência política, falar em uma "transição compactuada" é uma em que os membros da elite, muitas vezes dentro do governo ou seu círculo de aliados, unem forças com a oposição para substituir um presidente ou regime, na esperança de proteger seus próprios interesses. O termo é geralmente usado para explicar como um regime autoritário transita para a democracia, mas também oferece uma explicação útil de como impeachments são trabalhados dentro de sistemas democráticos.

No Brasil, políticos de oposição e outras elites, incluindo Machado e Jucá, colaboraram para acusar Rousseff em agosto.

Muitos analistas acreditam que as acusações contra ela - violar leis orçamentárias por empréstimos de um banco estatal para ocultar um déficit - foram menores.

"haviam muitas questões em jogo no impeachment de Dilma", disse Ken Roberts, um cientista político na Universidade de Cornell que estuda América Latina. "Em qualquer impeachment, há interesses políticos e partidários. Nunca é estritamente uma questão legal.

Alguns políticos consideraram o impeachment como uma oportunidade retirar o Partido dos Trabalhadores do poder, disse. Mas outros parecem ter acreditado que um novo governo encerraria uma investigação sobre a corrupção que havia envolvido grande parte da elite política e econômica do Brasil, e que Dilma havia se recusado a bloquear.

A corrupção depende de um "equilíbrio", escreveu a economista política Miriam Golden e o economista Ray Fisman. As pessoas pagam ou aceitam subornos porque pensam que todo mundo está fazendo isso. Como conseqüência, o enxerto pode se espalhar rapidamente através de um sistema como um câncer e a metástase, tomando instituições políticas por inteiro.

Mas quando promotores ou juízes ganham independência suficiente para investigar e processar a corrupção, a corrupção generalizada de repente se torna vulnerabilidade generalizada, criando um incentivo para que os políticos tomem medidas drásticas para se protegerem, aponta o artigo.

No Brasil, alguns políticos parecem ter visto a expulsão de Dilma Rousseff como um passo drástico, mas necessário. Na conversa registrada, Machado disse a Jucá que queria ver "a partida de Dilma", dizendo que Temer "formaria um governo de unidade nacional, faria um grande acordo, protegeria Lula e protegeria a todos", lembra o New York Times.

"Este país voltaria a ficar calmo", acrescentou.

Como pactos podem ser minados 

Mas as chamadas transições pactadas podem ser vulneráveis. Se as instituições poderosas ou os círculos eleitorais não se comprometem aos termos do pacto, eles podem agir como spoilers*, deixando o novo governo fraco.

Os políticos que pressionaram pela demissão de Dilma parecem ter erradamente assumido que o poderoso gabinete do procurador e o judiciário se alinhariam e que um governo de Temer seria capaz de fechar ou limitar a investigação de corrupção.

Isso não aconteceu. Os processos de corrupção continuaram sob a presidência de Temer e focaram em algumas das pessoas mais poderosas do país.

Eduardo Cunha, ex-presidente da câmara e arquiteto-chave do processo de destituição de Dilma Rousseff, foi condenado em março por corrupção e lavagem de dinheiro a 15 anos de prisão. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta várias acusações criminais.

O público brasileiro também pode ter sido um spoiler importante. O novo governo foi impopular desde o início, disse Amy Erica Smith, professora da Universidade Estadual de Iowa, que estuda o Brasil. "Temer entrou, e desde o primeiro dia estava com baixíssima popularidade."

O apoio em massa é crucial para uma transição bem-sucedida, disse Tom Pepinsky, professor da Universidade de Cornell, que estuda o autoritarismo e a mudança de regime. Nos países onde tais transições tiveram sucesso, o apoio público deu ao novo governo a autoridade para governar, o que por sua vez ajuda as instituições a se fortalecerem e se estabilizarem.

Mas se o público se opuser à transição, disse Pepinsky, o poder e o poder do governo são minados.

*Spoiler é quando algum site ou alguém revela fatos a respeito do conteúdo de determinado livro, filme, série ou jogo. O termo vem do inglês, mais precisamente está relacionado ao verbo “To Spoil”, que significa estragar. Numa tradução livre, spoiler faz referência ao famoso termo “estraga-prazeres”.

> > The New York Times