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Expulsos da Cracolândia, usuários de drogas permanecem na região central

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Uma semana após da grande operação policial feita na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, os usuários de drogas se espalham por diversos pontos da região central da cidade. Nos últimos dias, houve demolições, fechamento do comércio local e autorização da Justiça para avaliação médica contra a vontade do usuário, que acabou suspensa neste domingo (28). Fontes ouvidas ao longo da semana pela Agência Brasil disseram que o problema da região ainda não acabou.

As pessoas, que antes se aglomeravam na Alameda Dino Bueno, estão agora na Praça Princesa Isabel, a cerca de 500 metros do local onde ocorreu a ação da polícia. No entanto, mapeamento da Guarda Civil Metropolitana (GCM) identificou  22 pontos de concentração de usuários de crack nas proximidades.

Na última quinta-feira (25), o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, disse que a GCM localizou cerca de 340 pessoas espalhadas pela área próxima ao local anterior da Cracolândia e em pontos mais distantes, como na Santa Cecília e Santa Ifigênia.

A operação de domingo passado contou com cerca de 900 policiais civis e militares para, segundo ao governo estadual, combater o tráfico no local. Na ocasião, o prefeito João Doria visitou a região e afirmou que não houve violência nem vítimas na operação.

Representante do movimento Craco Resiste, Rafael Escobar disse que a operação na Cracolândia teve início com forte presença de policiais e que a PM chegou jogando bombas. “De repente, tinha 300 ou 400 policiais do GOE [Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil], jogando bomba e dizendo que era para acabar com o tráfico, mas aqui tem é um monte de aviãozinho [um intermediário, uma pessoa que busca e entrega droga ao cliente]. Não tem tráfico nenhum aqui. De repente, não tem mais ninguém na Cracolândia [alameda Dino Bueno]”, disse, na ocasião.

Para o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP) Arthur Pinto Filho, "os usuários apenas mudaram de lugar".

“A Cracolândia poderia acabar em um processo a médio prazo, com trabalho muito consistente de todos ali, de Saúde, da Smads [Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social]. Ela poderia ir minguando até acabar. Hoje a Cracolândia não acabou coisíssima nenhuma, ela muda de lugar”, disse o promotor à Agência Brasil.

Na avaliação do promotor, a operação não acabou com o tráfico e foi gerada ainda uma situação de caos naquela região. “A ação não resolveu o problema básico da Cracolândia, que é a dependência. Enquanto não se resolver isso, não se resolve a questão, a droga vai continuar chegando, tanto lá como em qualquer lugar do Brasil”.

Secretaria de Segurança

No dia seguinte à operação (22), o secretário de Segurança Pública do estado, Mágino Alves, concedeu entrevista coletiva e disse que a área estava livre do tráfico de drogas, mas admitiu que o problema social existente na região não foi resolvido e precisa da atuação das esferas municipal e estadual.

Segundo a polícia, o tráfico na região estava sob o comando da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) desde 2013, organizado com uso de seguranças armados, grupos específicos para distribuição de drogas, e utilizava inclusive máquinas para a venda com cartão de crédito.

Na operação, a polícia prendeu 50 pessoas, 48 delas por tráfico de drogas. Também foram apreendidos três adolescentes. Foram recolhidos 12,3 quilos de crack, 6,5 quilos de maconha, 655 gramas de cocaína, 6 gramas de haxixe, 18 gramas de ectasy, 2 micropontos de LSD, dois litros de lança-perfume, e R$ 49.611,00.

A polícia mantém na região, segundo a SSP, um efetivo 120 homens do policiamento territorial com o reforço de mais 80 policiais militares, totalizando 200 agentes. Na segunda-feira (22), a polícia voltou a dispersar usuários de drogas que vagavam em grupos na área da Cracolândia.

Apesar dos resultados anunciados pelo governo, o antropólogo e pesquisador no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Maurício Fiore, também ouvido pela Agência Brasil nesta semana, acredita que a ação teve pouco impacto no combate ao tráfico de drogas. “Se ela não for de inteligência, para pegar o fornecedor, você vai ficar só enxugando gelo". Ele afimou ainda que "operação policial dessa forma, sem planejamento articulado, é por um outro objetivo, não desmontar as redes do tráfico de drogas”, disse.

De acordo com o antropólogo, a operação somente retirou os usuários para permitir a valorização do bairro, em um processo conhecido como “gentrificação”, que tende a expulsar também as pessoas com renda mais baixa. “Mais uma operação puramente policial, basicamente para mostrar serviço publicamente”, disse.

Demolições

A prefeitura chegou a lacrar quase todos os imóveis residenciais e comerciais de dois quarteirões onde ficava o fluxo – concentração de usuários de drogas. Também foram feitas algumas demolições. Na terça-feira (23), três pessoas ficam feridas pela queda de uma parede durante a derrubada de um dos imóveis.

A prefeitura divulgou comunicado, dizendo que “nunca foi intenção da administração municipal fazer intervenções em edificações ocupadas sem que houvesse arrolamento prévio de seus habitantes”.

O caso foi citado em uma liminar emitida no dia seguinte (24) pela 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo que proibiu o município de continuar as remoções e demolições antes de cadastrar os moradores e garantir atendimento de saúde e habitação.

Condução compulsória

O desembargador Reinaldo Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou hoje (28), a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP) e da Defensoria Pública, a decisão que autorizava a prefeitura de São Paulo a conduzir compulsoriamente – contra a vontade da pessoa – usuários de drogas da região da Cracolândia a uma avaliação médica. Também foi retirado o segredo de Justiça do processo.

Na sexta-feira (26), a prefeitura havia conseguido autorização judicial para abordar usuários de drogas nas ruas da região central e levá-los compulsoriamente para uma avaliação médica. A decisão foi do juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, Emílio Migliano Neto.

“O pedido da prefeitura, que busca autorização para a 'busca e apreensão de pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação (...) e internação compulsória', é extremamente vago, amplo e perigoso, pois daria ao município carta branca para eleger quem são as pessoas nesse estado, sem que houvesse qualquer possibilidade de defesa a elas”, afirmou a defensoria.