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'The Guardian': Copa, Olimpíada, corrupção e suborno no Brasil

Artigo descreve negociatas em torno destes mega-eventos 

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O jornal britânico The Guardian traz em sua edição desta segunda-feira (24) um longo editorial escrito por Jamil Chade, autor do livro "Subornos, Política e Futebol - a história interna da Copa do Mundo no Brasil". 

Logo no início do texto ele fala que os dois mega-eventos (Copa do Mundo e Olimpíada) foram vendidos para os brasileiros se orgulharem de pertencer a um país moderno e voltado para o futuro, mas que o que aconteceu de fato para a nação foi uma profunda crise da economia e uma investigação judicial trazendo alegações desagradáveis, como a utilização da verba pública para obras superfaturadas e corrupção em diversos setores, desde a política até empreiteiras.

Jamil ironiza, afirmando que nem o som da bateria da escola de samba que encerrou os jogos olímpicos seria capaz de calar as investigações sobre alegações de subornos em massa relacionadas aos dois eventos esportivos - Copa do Mundo e Olimpíadas - que teriam usados como um esforço conjunto para apresentar ao mundo uma nova imagem do Brasil: um moderno País, sofisticado e, acima de tudo, responsável.

Além do debate sobre o uso dos estádios, do legado e da projeção de uma nação jovem, foi a polícia que tomou o centro do palco logo que atletas de todo o mundo deixaram o país. Durante os sete meses que se seguiram, os políticos foram presos e acusados formalmente, enquanto os oficiais do esporte, juízes e muitos dos locais seriam alvo de operações policiais, descreve Chade.

O artigo aponta que o que começou como uma investigação sobre ilegalidades na Petrobras em 2014 logo se tornou um processo criminal sobre a organização dos dois mega-eventos, pagos principalmente com fundos públicos e apresentados aos cidadãos como uma razão para se orgulhar. A última versão de documentos oficiais do Supremo Tribunal Federal, mostra que os locais não eram apenas catedrais de novos recordes mundiais, mas que supostamente canalizaram milhões de dólares em subornos. A Suprema Corte do Brasil abriu investigações em torno de 100 políticos, com base em centenas de horas de depoimentos de executivos do conglomerado de construção e produtos químicos Odebrecht. Os documentos divulgados mostram que:

- Seis dos 12 estádios construídos para a Copa do Mundo estão agora sob investigação por irregularidades e suborno.

- Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio, é acusado por um ex-executivo da Odebrecht de ter levado R $ 15 milhões, em troca de facilitar contratos relacionados aos Jogos Olímpicos.

- A nova linha de metrô no Rio, reivindicada como um dos principais legados olímpicos de 2016, é alvo de uma operação policial por suspeita de fraude.

- O presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Jonas Lopes, está sendo investigado por supostamente aceitar subornos em troca da aprovação dos contratos para o Maracanã.

- A Arena Corinthians, o novo estádio de São Paulo que abriu o jogo de abertura da Copa de 2014, foi investigado por "possíveis práticas criminosas". Os executivos da Odebrecht afirmaram que era um "presente" para o ex-presidente Lula.

A suspeita chegou ao homem que, para o COI, era a chave dos Jogos do Rio e apresentado ao mundo como o rosto de uma nova geração de políticos brasileiros. De acordo com os documentos divulgados pelo Supremo Tribunal do Brasil, Paes - prefeito de Rio de 2009-16 - é acusado de ter tirado sua parte ilícita do evento. Em discurso no Maracanã em agosto, o presidente do COI, Thomas Bach, descreveu Paes como "um grande líder", lembra o texto para The Guardian.

As alegações contidas nos documentos divulgados pelo Supremo Tribunal baseiam-se num acordo de pacto celebrado com Benedicto Barbosa da Silva Júnior, ex-executivo da Odebrecht. Ele admitiu organizar o pagamento de subornos, em troca de contratos públicos, conta Chade para The Guardian.

Segundo ele, seu "grupo empresarial deu mais de R $ 15 milhões a Eduardo Paes, em razão de seu interesse em facilitar contratos relacionados aos Jogos Olímpicos". Um terço desse dinheiro foi enviado para contas offshore, inclusive na Suíça, alegou Benedicto Júnior. O gabinete de imprensa do ex-prefeito nega qualquer envolvimento no caso e afirma que as alegações são "absurdas".

A empresa por trás da acusação acabou sendo premiada com o contrato de construção da Vila Olímpica, do Parque Olímpico e da nova linha de metrô, entre outros. Ironicamente, a vila dos atletas foi nomeada "Ilha Pura" pela Odebrecht, observa Jamil, que acrescenta que a linha de metrô é, de fato, alvo de uma operação policial separada. A suspeita de fraude foi revelada depois que o projeto de lei explodiu de um plano original de R $ 880 milhões para R $ 9,6 bilhões.

A administração de Paes não é a única em tal situação, analisa Jamil para o diário britânico. Sérgio Cabral, ex-governador do Rio e o mais animado em realizar as Olimpíadas no Brasil, foi preso em novembro por acusações de corrupção e está agora aguardando julgamento. Cabral nega qualquer irregularidade e seus advogados dizem que só apresentarão sua defesa e sua versão dos fatos durante o julgamento.

Foi durante seu mandato o comissionamento das obras de renovação do icônico Maracanã do Rio. Junto com Cabral, alguns dos membros de seu gabinete também foram presos. Hoje, a Procuradoria Geral do Estado no Rio está exigindo o retorno de R $ 200 milhões do dinheiro gasto durante a gestão de Cabral com as obras do estádio, alegando fraude e superfaturamento.

> > The Guardian

No setor esportivo, alguns dos funcionários envolvidos já foram levados para a prisão. Em março, a polícia federal do Brasil prendeu o ex-presidente da federação nacional de natação, Coaracy Nunes, sob a acusação de desviar fundos públicos do ministério do esporte que deveriam ser usados para pagar atletas. Em 2016, quando foi formalmente acusado, ele negou as alegações e insistiu que a investigação era um complô da oposição para derrubá-lo da presidência.

Contratos entre o governo e 14 federações esportivas diferentes também estão sendo revisados, enquanto o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, foi indiciado nos EUA em conexão com o escândalo que colocou a Fifa de joelhos. O funcionário brasileiro nega qualquer irregularidade e recusa a se demitir.

As declarações dos executivos da Odebrecht aos juízes e promotores também sugerem que a distribuição de subornos relacionados com a Copa do Mundo e os Jogos do Rio não seguiram uma ideologia nem favoreceram um partido político. O que parece ter importado foi a capacidade de um político específico para garantir benefícios para a empresa, analisa Jamil para The Guardian.

Este parece ter sido precisamente o caso de Eduardo Cunha, ex-presidente do parlamento, que foi expulso em consequência de alegações de corrupção e condenado no mês passado a 15 anos de prisão. Ele apelou contra o veredicto.

Cunha se tornaria, em 2016, a pessoa que orquestrou o impeachment bem sucedido de Rousseff em meio a uma enorme turbulência política no Brasil, lembra o autor.

De acordo com declarações do diretor da Odebrecht Benedicto Júnior, Cunha aproximou-se dele com uma demanda muito específica: queria 1,5% do valor total das obras realizadas no Porto Maravilha. Benedicto Júnior alega que a empresa concordou em pagar, com o entendimento de que teria o apoio de um dos políticos mais influentes do país para assegurar a tranquila transferência de dinheiro público para a Odebrecht para poder completar esse local específico. Benedicto Júnior afirma que a Cunha recebeu R $ 9,7 milhões em 36 pagamentos mensais entre 2011 e 2014. Os advogados da Cunha disseram à imprensa brasileira que a declaração é falsa e não se baseou em nenhuma evidência.

Enquanto esses subornos estavam supostamente sendo pagos, o governo do Rio estava impondo os custos dos mega-eventos em sua própria sociedade, afirma em tom sarcástico Jamil Chade. Para garantir que haveria fundos suficientes para o trabalho de infra-estrutura relacionado com os Jogos Olímpicos, as autoridades decidiram adiar o pagamento de funcionários públicos no início de 2016, bem como aos aposentados e pensionistas do poder executivo. 

Sem dinheiro para pagar os salários de maio, o estado do Rio de Janeiro anunciou que, na verdade, apenas 70% da folha de pagamento seria paga no dia 14 deste mês, com um desembolso financeiro de R $ 1,1 bilhão. O atraso no pagamento dos salários nesse mês afetou um total de 393 mil funcionários públicos na administração, nos hospitais e nas escolas públicas. Sábado antes da abertura dos Jogos, o estado do Rio declarou "estado de calamidade", lembra Jamil.

Para finalizar, o escritor observa que em geral, a economia do Brasil entrou em sua pior recessão, com o desemprego afetando 13 milhões de pessoas neste ano, com escândalos de políticos e empresários sendo presos e a economia arruinada, ter realizado os Jogos em um clima tão difícil foi, de fato, um "milagre". Hoje, a polícia tem apenas uma pergunta: "Um milagre para quem?", finaliza.

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