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'Clarín': 'Poderosos abusam do sistema para buscar impunidade', diz Sergio Moro

Jornal argentino entrevista juiz da Lava Jato

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O diário argentino publicou nesta quinta-feira (6) uma entrevista com o juiz brasileiro Sergio Moro, em passagem pelo país. 

Ele informou que responderia a tudo, mas não falaria sobre processos em andamento por questões de ética. Clarín afirma que suas convicções são suficientemente claras para projetar na justiça local o efeito de um feixe de luz. 

> > Sergio Moro, juez brasileño del caso Lava Jato: "Los poderosos abusan del sistema para buscar impunidad"

 - Qual foi o momento mais difícil nestes três anos da Operação Lava Jato?

- Eu tive vários momentos difíceis durante a investigação, por exemplo, durante o início, em 2014. Havia uma ordem de prisão preventiva contra vários réus, incluindo profissionais de lavagem, tráfico de drogas e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que está preso - e o gerente do caso na Suprema Corte concedeu liberdade para todos. Nós enviamos mais informações explicando melhor o que era o caso (risos) e ele voltou atrás na sua decisão no dia seguinte. Costa permaneceu livre, mas os outros não.

No curso da investigação, surgiram evidências de que este diretor da Petrobras teve contas na Suíça, e o Ministério Público novamente ordenou sua prisão. 

 - E a nível pessoal?

- Bem, é um trabalho muito cansativo, mas também traz grande satisfação, porque está gerando resultados significativos. Os processos estão sendo julgado em um prazo razoável, as pessoas são absolvidos ou condenadas. Mas teve muito impacto para mim revelar esta imagem de corrupção sistêmica no Brasil. Independentemente disso, há um desgaste pessoal pela quantidade e intensidade do trabalho. Além disso, embora a opinião pública brasileira seja esmagadoramente a favor das operações, há uma minoria vocal e crítica, por vezes desconfortável. Eles são críticos, eu entendo, mas não é muito apropriado. Especialmente quando tentam descrever meu trabalho com um propósito político-partidário. Isso me incomoda um pouco. Embora não devesse acontecer, eu entendo que é parte do meu trabalho me expor a isso.

 - O que é um tempo razoável para julgar em primeira instância, um ato de corrupção?

- Você não pode dar uma resposta precisa. Existem duas fases, uma primeira, de pesquisa, e em seguida, quando se encontra e a prova é recolhida. Nesta última parte pode ter que repetir alguns comprovantes ou pedir novas evidências, mas os fatos são mais ou menos definidos.

 - Como impedir que políticos e empresários poderosos não abusem dos recursos e brechas e se livrem dos processos?

- Os direitos do acusado devem ser respeitados, isso é indiscutível. O processo penal é projetado para evitar a condenação de um inocente. Agora, por outro lado, muitas vezes poderosos da política ou empresários usam este sistema para buscar a impunidade. Então nós temos que encontrar um equilíbrio entre os direitos do acusado e da vítima, que nestes casos é a sociedade. Assim, o processo deve durar um tempo razoável. Uma situação interessante ocorreu durante um dos casos desta operação Lava Jato: houve uma decisão do nosso Supremo Tribunal que uma condenação penal só poderia correr a partir do momento em que não estiverem mais propensos a apresentar apelações. Na prática, foi um desastre para a eficácia do processo, porque a lei brasileira permite muitos recursos, e principalmente os tribunais superiores em Brasília.

Você se referiu à importância da opinião pública apoiar a Lava Jato. Na sua opinião, quem deve iniciar o círculo virtuoso entre a pressão positiva da opinião pública e da ação de liderança política e judicial? É a opinião pública quem mobiliza a classe dominante, oua justiça deve dar o primeiro passo?

- Um juiz não pode julgar de acordo com o que a opinião pública diz, mas sim de acordo comas leis e provas. Mas estes processos cujos acusados são do meio político e pessoas economicamente poderosas, a opinião pública age como uma proteção contra a interferência indevida na justiça. Isso permite que as causas ganhem mais repercussão. Agora, a responsabilidade por esta mudança de paradigma é tanto do governo, quanto da sociedade civil. E o Judiciário pode dar uma resposta muito limitada: a grande maioria dos crimes de corrupção não são descobertos. Quando são descobertos, é difícil de provar, e estas provas têm de ser categóricas para evitar condenação de pessoas inocentes. Em seguida, a responsabilidade principal não é sobre a justiça, mas das outras instituições e do público. Agora, se a justiça faz a sua parte nos casos em que os crimes foram comprovados, ela pode fazer uma grande diferença. Você pode restaurar a confiança nas pessoas que a lei é a mesma para todos. E isso cria um círculo virtuoso. Mas cuidado, nem tudo é resolvido com um processo criminal bem julgado. Não é o suficiente para mudar a realidade. 

 - Assim como você pode ser a chave para a justiça, um juiz pode impedir e facilitar a impunidade, mesmo que involuntariamente?

- Não só os juízes podem salvar ou afundar uma causa. Acho que há um foco excessivo em mim. Polícia, promotoria. Somos todos parte de um processo. Em seguida, a responsabilidade não é apenas de uma pessoa. Agora o juiz tem que ter em mente que existem casos que exigem uma resposta por parte das instituições. E é importante que os juízes se concentrem seu trabalho sobre estes casos para tentar dar essa resposta dentro de um prazo razoável, seja através de uma absolvição ou condenação. Não se deve deixar a situação continuar pendente.

Quanto tempo você acredita que ainda vai durar a operação Lava Jato?

- Eu não quero fazer previsões, porque eu fiz no passado e errei (risos). Há uma parte substancial do processo que está no Supremo Tribunal, que tem seu próprio tempo. Outras partes são realizadas por outros juízes, em São Paulo e Rio de Janeiro, e as conexões podem se estender para mais casos e a outros distritos. Em relação à minha parte, sobre a corrupção nos contratos para a Petrobras, o processo já está bem avançado. Os diretores da empresa foram julgados, condenados e estão na prisão. Os funcionários políticos que perderam o seu foro privilegiado, porque seus mandatos foram cumpridos, foram julgados em primeira instância. E, principalmente, as empresas e empresários acusados ??de pagar subornos na sua maioria também já foram julgados. Pode-se dizer que nós já atravessamos metade do rio. 

- Você estava no momento certo no lugar certo, ou junto a Lava Jato surgiu a oportunidade de desenvolver uma convicção mais profunda? Que condições culturais e jurídicas permitiram essa mudança?

- É muito difícil identificar as causas. A meu ver, há uma maturidade institucional do Brasil desde a democratização, o reforço da independência do poder judicial e do Ministério Público. Temos também a policial federal, que tornou as investigações cada vez mais competentes e eficazes e que estava se formando uma tradição de autonomia em relação ao poder político. Esta mudança não caiu do céu. Antes tivemos o Mensalão, que mesmo com suas limitações, mostrou que a impunidade não é necessariamente uma regra. Podemos também acrescentar as circunstâncias econômicas atuais: estamos em um mundo cada vez mais competitivo, e a corrupção sistêmica tem um impacto sobre a economia que não deve ser desconsiderado. Será que os países corruptos podem competir em pé de igualdade em um mundo cada vez mais globalizado, em que os custos adicionais fazem a diferença? É a situação no Brasil, com crescentes déficits, afetado pelos custos da corrupção sistêmica. Essas questões também ajudaram favoravelmente nesta mudança.