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Calero acusa Geddel de pressioná-lo para liberar obra, diz jornal

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Marcelo Calero, que pediu demissão do Ministério da Cultura na noite de sexta-feira (19), acusa o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de tê-lo pressionado a produzir um parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais. De acordo com Calero, Geddel - que é o articulador político do governo Michel Temer - o procurou pelo menos cinco vezes para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovasse o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de uma área tombada em Salvador, base de Geddel. As informações são da Folha de S. Paulo.

Ainda segundo Calero, Geddel disse em pelo menos duas dessas conversas possuir um apartamento no empreendimento que dependia de autorização federal para sair do papel. "Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo", afirmou.

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"Quando eu cheguei no governo, a presidente do Iphan, Jurema Machado, me alertou que existia um empreendimento na Bahia que despertava interesses imobiliários. E me recomendou especial atenção a mobilizações políticas que pudessem ocorrer", disse Calero, acrescentando: "A partir disso, eu de fato recebi ligação do ministro Geddel dizendo que aquele empreendimento empregava muitas pessoas e que o Iphan da Bahia havia dado uma licença de construção que fora cassada pelo Iphan nacional. Ele disse que essa decisão era absurda porque não levou em conta pareceres técnicos do Iphan da Bahia e não havia dado oportunidade ao empreendedor de ampla defesa."

Ainda segundo Calero, ele recebeu ligações "bastante insistentes" a partir de outros interlocutores. "Pedi que a [nova] presidente do Iphan, Kátia Bogéa, visse se o que era relatado pelo ministro procedia. Pedi que ela recebesse os advogados, como Geddel havia solicitado. Depois de receber os advogados, ela falou: "Do ponto de vista técnico, não há razões ao empreendedor, mas houve um erro processual porque a cassação da licença ocorreu sem abrir prazo de defesa"."

Ele acrescenta: "A doutora Kátia então cancela os atos administrativos e abre prazo de defesa. Até aí, me pareceu uma gestão bastante regular. Mas me surpreendeu um pouco um ministro de Estado ligar para outro ministro de Estado para falar deste caso. Mas não fui mais perturbado em relação a isso."

Calero prossegue: "No dia 28 de outubro, uma sexta-feira, por volta de 20h30, recebo uma ligação do ministro Geddel dizendo que o Iphan estava demorando muito a homologar a decisão do Iphan da Bahia. Ele pede minha interferência para que isso acontecesse, não só por conta da segurança jurídica, mas também porque ele tem um apartamento naquele empreendimento. Ele disse: "E aí, como é que eu fico nessa história?"."

O ex-ministro conta que ficou "surpreendido". "Me pareceu —não sei se estou sendo muito ingênuo— tão absurdo o ministro me ligar determinando que eu liberasse um empreendimento no qual ele tinha um imóvel. Você fica atônito. Veio à minha cabeça: "Gente, esse cara é louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus." Calero prossegue: "O ministro Geddel tem uma forma de contato muito truculenta e assertiva, para dizer o mínimo. Então, na ocasião, eu tergiversei, disse que tinha uma agenda com ele para falar de outros assuntos e que poderíamos falar daquele."

Calero conta que pensou em procurar o Ministério Público, a PF. "Depois de conversar com Kátia, fui ao ministro Geddel, com quem eu tinha um despacho, e ele falou que o pleito dele era plausível e eu dizia: "Vamos ver" e que a decisão seria técnica. Depois disso, eu disse para a Kátia: "Tome a decisão que tiver de tomar. Se eu perder o meu cargo por isso, não há problema. Eu saio. Eu só não quero meu nome envolvido em lama, em suspeita, qualquer que seja, de que qualquer agente público possa ser supostamente beneficiado pelo fato de que ele exerce pressão sobre mim". No domingo seguinte, recebi outra ligação do ministro Geddel. Eu estava em evento da Federação Israelita no Rio. Nessa ligação, Geddel disse que havia rumores na Bahia de que o Iphan nacional iria negar a construção. Ele disse: "Então você me fala, Marcelo, se o assunto está equacionado ou não. Não quero ser surpreendido com uma decisão e ter que pedir a cabeça da presidente do Iphan. Se for o caso eu falo até com o presidente da República"."

Calero afirma que as coisas já haviam "passado do limite". "Kátia é uma pessoa corretíssima. Avisei que se ela saísse eu saía também. E disse: "Mas sairemos com a cabeça erguida. Na semana do dia 7 de novembro comecei a sofrer pressão para suscitar um conflito ou mandar o caso para a AGU [Advocacia-Geral da União]. E aí pessoas do governo... (...) Pessoas que estavam tão pressionadas quanto eu. Eu comecei a sofrer pressões para enviar o caso para a AGU. A informação que eu tive foi que a AGU construiria um argumento de que não poderia haver decisão administrativa [do Iphan]. Isso significa que o empreendimento seguiria com o parecer do Iphan da Bahia, que liberava a obra."

Calero conta que no dia 16 de novembro, a decisão [do Iphan] finalmente sai e embarga a obra, determinando que a empreiteira adeque o projeto para 13 andares. O projeto teria originalmente cerca de 30. 

"Encontrei Geddel no jantar no Alvorada na quarta (16). Ele aciona vários interlocutores para me pressionar a rever a decisão. Mas eu estava tranquilo porque a decisão tinha sido técnica. Eu conseguiria olhar para meus servidores, para minha família, para Kátia, para os técnicos do Iphan."

O ex-ministro da Cultura conta que decidiu comtar o episódio porque queria sair do governo "de maneira tranquila". "Mas meu temor era que começassem a construir narrativas a respeito da minha saída para macular minha imagem. Quando recebo a ligação da Folha para checar uma informação contra mim, percebi que havia um processo de fritura."

Calero acrescenta: "Ele só me disse que tinha apartamento no prédio em 28 de outubro. (...) E me repetiu no dia 31: "Já me disseram que o Iphan vai determinar a diminuição dos andares. E eu, que comprei um andar alto, como é que eu fico?" (...) E as famílias que compraram aqueles imóveis? Eu comprei com a maior dificuldade com a minha mulher"."

>> Veja a reportagem na íntegra