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“Renan quer apoio nas próprias instituições contra a Lava Jato”, afirma analista

Declaração de presidente do Congresso contra ações da PF expõe disputa entre poderes

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As duras críticas dirigidas na segunda-feira (24) pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), contra o ministro da Justiça do governo Temer, Alexandre de Moraes, vem causando um mal-estar entre os Três Poderes. Ele afirmou que o ministro - um membro do Executivo - é, no máximo, um “chefete de polícia”.

Renan também chamou de “juizeco de primeira instância” o juiz Vallisney de Souza, da 10ª Vara Federal de Brasília, que expediu o mandado de prisão de membros da Polícia Legislativa, acusados de tentar obstruir investigações da operação Lava Jato.

A declaração não demorou muito para repercutir no Poder Judiciário. Nesta terça-feira (25), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, abriu a reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com um discurso exigindo respeito dos outros poderes. Sem citar o presidente do Senado, ela afirmou ser inadmissível “que fora dos autos qualquer juiz seja diminuído ou desmoralizado porque onde um juiz é destratado, eu também sou, qualquer um de nós juízes é”.

Para o professor de Ciência Política da Unicamp, Frederico Normanha Ribeiro de Almeida, Renan Calheiros está acuado. “Renan agiu dessa forma para demonstrar força. A declaração dele foi dada tendo em vista dois planos: um plano institucional, para reverter as ações jurídicas e frear a Lava Jato, e um plano público - talvez menos eficaz - de elevar o tom ante a sociedade.”

Segundo ele, esse segundo ponto não tem muito apelo para o público, mas não seria o foco de Calheiros. “É mais uma costura dentro do campo político. Renan quer apoio nas próprias instituições contra a Lava Jato. O do ministro do STF Gilmar Mendes ele já tem. Elevando o tom, ele quer menos um apoio social e mais um apoio das instituições e de alguns jornalistas que podem criar um clima contrário à Lava Jato, ao expor um cenário de crise institucional”, opinou.

De acordo com o professor, está claro que há uma tentativa dos procuradores da Lava Jato de chegar na cúpula do PMDB, mesmo com rachas se formando entre eles. “Os interesses do juiz Sérgio Moro e dos procuradores podem ser diferentes. Tem sim um jogo de pressão entre eles, entre a primeira e a segunda instâncias. Todos dependem uns dos outros, mas têm interesses divergentes”, afirmou.

>> Renan vai protocolar ação no STF para questionar operação da PF no Senado

Gilmar Mendes demonstrou compartilhar da posição de Renan Calheiros ao afirmar: “Tendo a concordar que medidas constritivas em relação ao Senado devam ser autorizadas pelo STF. A mim me parece que pode ter havido excesso.” O professor ressaltou que o ministro não se manifestou contra a Lava Jato enquanto a operação atingia o governo Dilma. “Ele não se expressou mesmo com a divulgação dos áudios das conversas entre Lula e Dilma, que o próprio STF declarou serem ilegais. Impediu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma. Me chama atenção ainda a fala da Cármen Lúcia, pois ela não vale nada enquanto a ministra não chamar atenção do Gilmar Mendes publicamente.”

O professor também afirmou que “ela teve uma fala dura, mas tem um colega que faz críticas públicas a juízes de primeira instância, a políticos, a instituições. Fica frágil a crítica dela contra ataques aos juízes enquanto Gilmar Mendes faz esse tipo de coisa. Ou ela deixa de falar ou ela o enquadra. A conduta dele desmoraliza qualquer coisa que ela diga.”

O professor da Unicamp também afirmou que a ação da Polícia Federal pode ser comparada à prisão do Al Capone, que apesar de ser um notório mafioso, só foi preso por sonegação de impostos. “Foram muito cuidadosos em justificar a ação, sem dar abertura para ilegalidades, por isso não envolveu parlamentares e só foram presos policiais da Polícia Legislativa.” Para um parlamentar ser preso exigiria uma ação do STF, por causa do foro privilegiado. “Mas é óbvio que nessa ação há uma tentativa de causar pressão contra os parlamentares. É uma zona muito cinzenta.”

Ilegalidades na operação

Frederico explica que, se o juiz, mesmo que de primeira instância, entendeu que houve uma denúncia cuja investigação se faz necessária, e se o processo teve uma base regular dentro dos trâmites, não se deve assumir prontamente uma potencial ilegalidade. “Mas também não podemos admitir que ilegalidades sejam cometidas só porque um dos poderes se diz independente. Não há problema que a polícia faça uma ação sobre outro órgão.”

Para ele, ambos os presidentes do Senado e do STF foram equivocados. “Renan realizou uma demonstração de força prepotente. Mas a resposta da Cármen Lúcia também foi prepotente. Ela foi muito corporativa ao tentar blindar o judiciário de críticas”. Segundo o professor, indiretamente a ministra afirmou que qualquer crítica ou acusação de ilegalidade a um juiz deve ser feita apenas por meio do Judiciário.

“Quando ela afirma que não é admissível que um juiz seja ‘diminuído ou desmoralizado’ fora dos autos, nas entrelinhas ela afirma que a crítica a eles não pode ser feita por outras esferas da sociedade”, concluiu o professor, que crê que o episódio é mais um da judicialização da política.

* do projeto de estágio do JB