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Cordelistas homenageiam Ana Cristina Cesar na Flip: “A gente é à margem também”

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“É Ana cristina Cruz / Cesar seu nome todinho/ Essa poetisa lutava e escrevia com carinho/ Também era tradutora, além disso professora e estava sempre juntinho/ Juntinho de quem queria a poesia fortalecer/ Na verdade, ela é ícone e é impossível não dizer/ O quanto contribuiu quando sua poesia surgiu, quando se pôs a escrever”.

Os versos de Macambira e Querindina não fazem parte da programação oficial da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), mas estão nas ruas da cidade fluminense para quem quiser apreciar. Há nove anos, o casal sai de Estrela, na Paraíba, para divulgar o cordel durante a festa literária, e sempre prepara um título sobre o autor destaque da edição. Este ano, ao falar da poetisa Ana Cristina Cesar, os cordelistas se identificaram com a homenageada.

Ana Cristina Cesar, ou Ana C., foi destaque na geração da Poesia Marginal, um grupo de poetas que distribuía suas obras de forma caseira na década de 1970, quando era forte a repressão da ditadura militar

“Fomos pesquisar, porque a gente não sabia da poesia marginal. A gente é à margem também e não sabia”, disse Querindina. “Mas a gente vai e pula o muro da marginalidade. Estamos aqui no meio da festa”, acrescentou.

Macambira concordou e pediu mais atenção dos meios de comunicação e da sociedade para a arte do cordel. “Com certeza [o cordel é marginal]. Temos muita gente boa que a gente sabe que não tem o devido espaço que devia ter.”

Quando não está divulgando o cordel, Macambira é Fernando Rocha, um representante de vendas 56 anos. Querindina, sua mulher, é Marinalva Bezerra, professora de sociologia, de 48. Os dois completaram 29 anos de casados a caminho da Flip, na última segunda-feira (27).

Enquanto Querindina é um nome inspirado em uma professora “do tempo dos dinossauros”, Macambira é uma homenagem à natureza do sertão. “Macambira é uma planta que a gente tem lá e que a bicha é forte. E quem trabalha na cultura, com as coisas de raiz, tem que ter fortaleza”, conta Querindina, que começou a escrever cordel com o marido em 2003.

O pai de Macambira já era cordelista, e seu avô, repentista. Em meio aos casarões de Paraty, ele reivindica espaço para sua cultura nordestina. “Muita gente ainda desconhece o cordel. Com a invenção da internet a gente acreditava que o cordel ia perder espaço. Mas ele foi se recuperando porque as coisas foram acontecendo de forma mais dinâmica. A gente sabe que vai permanecer por muito e muito tempos”, prevê o artista. “É interessante que se tenha todo tipo de arte do ponto de vista literário. Seja o cordel, ou a poesia erudita.”

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Com 52 títulos escritos, o casal trouxe cerca de 1,2 mil exemplares para vender em Paraty. De homenagens a escritores a pedidos de preservação do meio ambiente e histórias infantis, a variedade dos textos é grande. O processo de escrita conta com muita pesquisa até que eles entendam a história a ser narrada.

Querindina lembra que as leituras trouxeram admiração por Ana Cristina Cesar: “Ela era uma guerreira. Gostava de cultura e era uma lutadora no meio dela”, elogia.

Em tempos de dificuldades financeiras, eles esperam que a venda dos cordéis compense os custos da viagem e dizem que é preciso ser otimista.

“A gente tem que acreditar. A gente sabe que existe uma crise, mas é na crise que a gente tem que ter criatividade e tem que ter autoestima. Imagina se todo mundo baixar a crina. Aí todo mundo vai pro fundo do poço”, diz Macambira, que investe em todo tipo de cordel para atender aos novos tempos. Na tradição aprendida por seu pai, ele consegue encaixar até a tecnologia.

“Esse tal de zap zap é um negócio interessante/ Eu, que antes criticava, hoje teclo a todo instante/ Quase nem durmo nem almoço, quem inventou esse troço tem uma mente brilhante/ Quem diria um dia eu pudesse utilizar, calculadora e relógio, uma câmera de fotografar/ Tudo no mesmo aparelho. Mapa, calendário e espelho é o telefone celular.”