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Polícia Federal faz operação para apurar desvios na Lei Rouanet

Grupos ligados a eventos desviaram cerca de R$ 180 milhões dos recursos da lei

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A Polícia Federal deflagrou na madrugada desta terça-feira (28) a Operação Boca Livre, em ação conjunta com a Controladoria Geral da União. A intenção é apurar o desvio de recursos federais em projetos culturais com benefícios de isenção fiscal previstos na Lei Rouanet. De acordo com a denúncia, eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo uma festa de casamento foram custeados com recursos da lei. Produtores culturais que integram um grupo ligado a eventos são responsáveis pelo desvio de cerca de R$ 180 milhões, segundo a Polícia Federal.

Foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária. Segundo a Polícia Federal, o grupo fraudava a Rouanet desde 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Na época, o ministro era Francisco Weffort. Desde então, a pasta foi ocupada por Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Marcelo Calero.

Trinta e sete mandados de busca e apreensão de documentos foram cumpridos em São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, abarcando também o Ministério da Cultura. Com a investigação sob sigilo, a Polícia Federal não citou os nomes dos envolvidos. Trabalham no caso 124 policiais federais e servidores da Controladoria Geral da União. Os mandados foram expedidos pela 3ª Vara Federal Criminal em São Paulo.

Entre os alvos de busca está o Grupo Bellini Cultural (os 14 mandados de prisão expedidos nesta manhã foram feitos contra integrantes deste grupo), que aparece como o principal operador do esquema, o escritório de advocacia Demarest e as empresas Scania, Kpmg, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, Lojas Cem, Cecil e Nycomed Produtos Farmacêuticos. 

>> PF investiga desvios da Lei Rouanet; entenda como funciona a lei

Antonio Carlos Bellini, dono da Bellini Cultural, e sua mulher, foram dois dos presos nesta terça-feira. A Bellini Cultural tem mais de 20 anos de atuação no mercado. O produtor cultural Fábio Ralston também foi preso.

A ação investiga mais de 10 empresas patrocinadoras que trabalharam com o grupo e estima-se que mais de 250 projetos tenham recursos desviados. As empresas recebiam os valores captados com a lei e ainda faturavam com a dedução fiscal do imposto de renda. Com isso, o montante desviado pode ser ainda maior do que R$ 180 milhões, conforme a PF. 

Rodrigo de Campos Costa, delegado regional de Combate e Investigação ao Crime Organizado, disse que as irregularidades eram evidentes, com documentos fraudados de forma grosseira. “Houve, no mínimo, uma falha de fiscalização do Ministério da Cultura”, afirmou.

A PF afirma que "há indícios de que as fraudes ocorriam de diversas maneiras, como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras".

As investigadores apontam que, Antonio Carlos Belini Amorim usou recursos públicos para pagar despesas do casamento de um familiar. A festa de luxo aconteceu na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis. Na casa dele, foi apreendida uma BMW.

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, participou de coletiva de imprensa nesta terça-feira: "O nome Boca Livre é genial. Vimos nessa madrugada a gravação de um vídeo de um casamento, uma festa boca livre que nós pagamos. Foi num hotel cinco estrelas em Florianópolis. Achamos que tivessem sido contratados modelos para fazer o vídeo, mas não, eram os convidados tomando champanhe."

As fraudes ocorriam pela não execução de projetos, superfaturamento, notas fiscais de serviços ou produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras.

Os presos responderão por crimes como organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica, cujas penas podem chegar a até 12 anos de prisão.

A Justiça Federal já inabilitou pessoas jurídicas que estão entre os suspeitos de propor projetos culturais junto ao Ministério da Cultura e à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Também foi realizado o bloqueio de valores e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo.

O inquérito policial foi instaurado em 2014. O nome dado à operação, Boca Livre, é uma expressão usada para festas onde se come e bebe de graça. A operação foi a primeira realizada com o Laboratório de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro de São Paulo - LAB-LD, que fez o cruzamento e a análise de dados e informações. Ele será utilizado também na análise do material apreendido.

Em nota, o escritório de advocacia Demarest afirma que a PF foi à sede da empresa para solicitar documentos e informações relacionados a empresas de marketing de eventos que prestaram serviços ao escritório no âmbito da Lei Rouanet.

"O escritório enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade, e informa que colaborou e continuará a colaborar com a investigação", diz o comunicado.

Em nota, o MinC informou que as investigações para apuração de uso fraudulento da Lei Rouanet têm o apoio integral do ministério e que “se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do país”.

A empresa Roldão disse que contratou "a Bellini Eventos Culturais para a realização de dois show corporativos e que, na manhã desta terça-feira (28), teve que apresentar à Polícia Federal documentação referente a esses serviços". "A empresa informa que não é alvo da operação e que já entregou à força-tarefa todos os documentos solicitados. Por fim, reforça que está colaborando com a investigação, à disposição de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos e que não admite qualquer tipo de irregularidade ou ilegalidade em suas atuações", diz a nota.

A Scania informou que tomou conhecimento pela manhã da operação Boca Livre e "que está colaborando integralmente com a investigação e à disposição das autoridades".

Segunda fase

Na segunda fase da Operação Boca Livre, o objetivo será descobrir o porquê da falta de fiscalização das fraudes. “Esses projetos já saiam encarecidos [do Ministério da Cultura] com valores estratosféricos”, disse Karen Louise, procuradora do Ministério Público Federal.

“Há um procedimento de fiscalização, do próprio Ministério da Cultura. São fatos relacionados a 2014. Nós temos que aproveitar a operação para punir aqueles que desviaram recursos, mas também melhorar os procedimentos preventivos de fiscalização do dinheiro público”, disse o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.