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Moradores de Olinda avisaram Defesa Civil sobre risco de deslizamento

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A convivência com o risco de morrer soterrado não é uma novidade para os moradores da Rua do Amanhecer, antiga Ladeira do Giz, no bairro de Águas Compridas, em Olinda. Vizinhos das vítimas do deslizamento de terra ocorrido hoje (30) de manhã no local relataram ter buscado a Defesa Civil do município há pelo menos 3 meses para que uma lona de proteção fosse instalada para impedir o acidente, mas não conseguiram atendimento.

Alexandra de Moraes, 36 anos, e João Victor de Moraes, de 7 anos, mãe e filho, além da sobrinha Bárbara de Moraes, 23 anos, morreram nesta segunda-feira quando a barreira que ficava acima das duas casas onde moravam deslizou nas primeiras horas da manhã. Outras duas filhas de Alexandra, Débora e Adrielly foram resgatadas com vida pelos vizinhos. Conscientes, mas com muitos hematomas, as duas adolescentes foram encaminhadas para atendimento hospitalar.

Quando a Agência Brasil chegou ao local, a empregada doméstica Ana Lúcia dos Santos, 51 anos, limpava a casa onde mora, vizinha das residências soterradas pela lama. Ela é amiga da família, especialmente de Alexandra. Muito abalada, a moradora mostrou, anotado em um caderno de escola, o número do protocolo (0291/2016) de atendimento do 0800-2812-112 da Defesa Civil do Recife. Ela não sabe quantas vezes ligou pedindo atendimento.

A irmã e a filha também tentaram várias vezes, segundo a doméstica, mas a resposta era que tinha outras demandas na frente. “Ela [a atendente] diz que está em andamento. 'É porque tem muita gente na sua frente'. Quando foi hoje que caiu a barreira foi que chegou. Seis meses, é um absurdo, com uma idosa dentro de casa, minha mãe fica sozinha e você precisa ver como ela fica nervosa”.

De acordo com Ana Lúcia, há cerca de um mês um pedaço da barreira já tinha caído, o que foi avisado à Defesa Civil e quando o pedido de instalação de equipamento de proteção foi reiterado. “É muito difícil, faz muito medo. Eu já não durmo direito, quando está chovendo não durmo, procuro sempre tirar minha filha de dentro de casa quando chove. Eu preferia que eu fosse do que ela. Hoje agradeci a Deus que minha filha saiu de casa mais cedo para ir trabalhar”, relata, chorando.

O estofador Rosivaldo Bernardo da Silva, 41 anos, vizinho de Ana Lúcia, lembra ainda de um histórico menos recente. A mesma casa hoje soterrada pela barreira já tinha sido parcialmente destruída há cerca de dois ou três anos, sem vítimas, segundo o estofador. “Ela construiu de novo e continuou a morar na casa”, conta Rosivaldo. “Há 30 anos caiu uma barreira aqui na rua que matou 7 pessoas”, relembrou.

Ambos os vizinhos falam que a vontade é de sair da área de risco, mas as condições financeiras não permitem. “Já construí aqui porque minha mãe deixou eu fazer. Não tive muita sorte na vida, vivo lutando com minha filha, ela trabalha e eu faço uma faxina. Não sei o que esperar, queria sair daqui, mas não sei se vai dar”, lamenta Ana Lúcia. “A gente tem muito medo, mas não tem para onde ir, não tem condições de pagar aluguel”, reforça Rosivaldo.

Sobre o relato dos moradores de que já haviam solicitado atendimento prévio, a Defesa Civil não se manifestou até a publicação da reportagem. Um assessor disse à reportagem que as equipes do órgão trabalham em regime de plantão, 24 horas, para atender toda a demanda.

Tragédia poderia ser maior

Era cerca de 6h quando um amontoado de barro e árvores de grande porte deslizou em cima de duas casas da Rua do Amanhecer. As residências ficaram completamente destruídas, e os destroços tomaram toda a rua, impedindo a passagem pelos dois lados. Assustados com o barulho, os vizinhos foram até a porta e se depararam com as duas meninas, Débora e Adrielly, quase que completamente encobertas.

“Eu tava lá atrás de casa com minha mãe, e de repente a barreira caiu. Aí tirei primeiro ela, levei lá para baixo, e as meninas pedindo socorro, pedindo para não deixar elas morrerem”, narra o estofador Rosivaldo Bernardo da Silva, que mora a duas casas de distância. Ana Lúcia dos Santos, vizinha de muro, disse que foi uma das primeiras a ver. “As pernas com meio mundo de barro em cima, eu tentando puxar o barro, uma dizendo para outra se acalmar. Elas perguntando pela mãe, e eu falei que Alexandra ia se salvar”. Ao lado de onde as meninas ficaram soterradas, os vizinhos acumularam algumas roupas e uma boneca que foram retiradas do entulho.

A casa de Ana Lúcia sofreu um estrago de menor proporção. A parede do quarto da filha dela desmoronou parcialmente, e uma pedra atingiu a cabeça da empregada doméstica no momento do acidente, mesmo com a precaução que a moradora toma de dormir na parte da frente de casa todas as vezes que a chuva começa.

Em uma das casas destruídas morava Alexandra com os três filhos – um morto e as duas meninas sobreviventes. Na outra, a sobrinha dela, Bárbara, morava com dois filhos pequenos. De acordo com Ana Lúcia, os dois não estavam na hora porque a mãe os levou para a casa de parentes quando começou a chover. “Ela sempre fazia isso, é a rotina da gente aqui. O negócio é que ela voltou. Era para ter saído também”, repetia a amiga da família.

Mais vítimas e prejuízos

As autoridades identificaram a morte de quatro pessoas por causa da chuva. Mais cedo, às 5h30, o Corpo de Bombeiros resgatou de escombros o corpo de uma menina, 4 anos de idade, no Córrego do Passarinho, limite entre Recife e Olinda. Segundo a Defesa Civil do Recife, um puxadinho de uma casa, que fica acima da residência da criança, desabou com o volume de água.

Além das quatro vítimas desta segunda, a primeira morte do ano registrada em decorrência das chuvas ocorreu no dia 17 de abril. Um homem de 39 anos ficou soterrado no Alto José Bonifácio, zona norte do Recife.

Foram registrados também alagamentos em vários pontos da região metropolitana. Órgãos públicos também encerraram as atividades nesta segunda, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e o Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com a Agência Pernambucana de Águas (Apac), choveu, em seis horas, mais de 200 milímetros em Olinda. A Prefeitura do Recife confirma o mesmo volume na capital pernambucana. Esse total é mais da metade do esperado para todo o mês de maio, 358 milímetros.

A Companhia de Abastecimento de Pernambuco (Compesa) suspendeu o fornecimento de água em áreas de morros do Recife, para evitar acidentes por causa da chuva. Se o tempo melhorar, uma nova avaliação será feita amanhã (31) para retomar o funcionamento do sistema.

A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) cortou o fornecimento de energia em trechos alagados de Olinda (nos bairros Cidade Tabajara, Bairro Novo e Jardim Fragoso) e no município de Paulista (nos bairros de Paratibe e Mirueira), também da região metropolitana do Recife. A água estava chegando nos medidores de energia e tomadas das casas e estabelecimentos comerciais. Quando o nível da água baixar, o fornecimento será retomado.