ASSINE
search button

Nós vamos pagar o pato do pato, diz Dilma sobre cortes do governo Temer

Presidente afastada declarou que levará ao extremo a denúncia contra o "golpe"

Compartilhar

A presidente afastada Dilma Rousseff comentou em entrevista sobre os indícios do governo do interino Michel Temer sobre cortes de investimentos na Saúde e Educação do país, sobre o processo de impeachment, e sobre as dificuldades para realizar uma democratização da mídia e taxar os mais ricos. 

"Já falaram [governo Temer] em acabar com o Mais Médicos, já falaram que o SUS não cabe no orçamento. Depois voltaram atrás", ressaltou Dilma a Monica Bergamo na Folha de S. Paulo, em entrevista publicada neste domingo (29).

Para Dilma, entre cortar custos com áreas importantes para o desenvolvimento do país e criar um imposto, seria melhor criar um imposto. "Para com essa história de não criar a CPMF. Só não destrói a educação e a saúde. Não tira as crianças da sala de aula. É essa a discussão que precisa ser feita e não uma discussão genérica sobre o pato", destacou a presidente afastada.

>> Cunha rebate Dilma e a chama de mentirosa e despreparada

Sobre o plano econômico proposto pelo interino peemedebista e as ações adotadas em seu governo, Dilma destacou que 2015 foi um "ano terrível", que exigiu todo o esforço para não ter corte em programa social. "Nós assumimos [a proposta de se recriar] a CPMF, sem pudor", comentou. "Nós nunca entramos nessa do pato [símbolo criado pela Fiesp para protestar contra aumento de impostos]. Aliás, o pato tá calado, sumido. O pato tá impactado. Nós vamos pagar o pato do pato, é?", questiona Dilma.

Questionada se a maior traição teria vindo de Michel Temer, Dilma respondeu: "óbvio". "E não foi no dia do impeachment. Foi antes. Em março. Quando as coisas ficaram claríssimas", indicou. "Você sempre acha que as pessoas têm caráter. Eu diria que ele [Michel Temer] não foi firme. Tem coisas que você não faz", completou Dilma Rousseff.

Dilma também comentou que não concorda com as medidas anunciadas na semana passada pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles. "Gosto mais do Meirelles no Banco Central que no Ministério da Fazenda. Pelo menos até agora", apontou. "Não sei se é dele essa ideia de propor o orçamento base zero [que só cresce de acordo com a inflação do ano anterior]. Mas não é possível num país como o nosso, não ter um investimento pesado em educação. Sem isso, o Brasil não tem futuro, não. Abrir mão de investimento nessa área, sob qualquer circunstância, é colocar o Brasil de volta no passado."

Questionada sobre o projeto econômico defendido na campanha de 2014, e o implementado depois, a presidente afastada respondeu: "Quando é que o pessoal percebeu que tinha uma crise no Brasil, hein? A coisa mais difícil foi descobrir que tinha uma crise no Brasil", disse. "Me mostra a oposição falando que tinha crise no Brasil! Ninguém sabia que o preço do petróleo ia cair, que a China ia fazer uma aterrissagem bastante forte, que ia ter a pior seca no Sudeste."

Crise econômica e Eduardo Cunha

De acordo com Dilma Rousseff, o país teve que enfrentar a combinação de uma crise econômica com "uma ação política deletéria". No meio disso, tentativas do governo para lidar com a situação foram impedidas no Congresso, por políticos da oposição e do centro político, "este liderado pelo senhor Eduardo Cunha".

"Pior: propuseram as "pautas-bomba", com gastos de R$ 160 bilhões. O que estava por trás disso? A criação de um ambiente de impasse, propício ao impeachment. Cada vez que a Lava Jato chegava perto do senhor Eduardo Cunha, ele tomava uma atitude contra o governo. A tese dele era a de que tínhamos que obstruir a Justiça."

"Fazer acordo com Eduardo Cunha é se submeter à pauta dele. Não se trata de uma negociação tradicional de composição. E sim de negociação em que ele dá as cartas", aponta Dilma, destacando que nunca deixou que Cunha indicasse ministro da Justiça e assessores da subchefia da Casa Civil, por onde passam todos os decretos e leis.

"Podem falar o que quiserem: o Eduardo Cunha é a pessoa central do governo Temer. Isso ficou claríssimo agora, com a indicação do André Moura. Cunha não só manda: ele é o governo Temer. E não há governo possível nos termos do Eduardo Cunha", alertou, acrescentando que o governo Temer vai ter que "se ajoelhar".

Processo de impeachment e golpe

Dilma Rousseff também comentou sobre a adoção do termo "golpe" para se tratar sobre o impeachment que a afastou do governo. Além da questão da ausência do crime de responsabilidade que justificasse de fato o processo, a presidente afastada apontou para o fato de que outros golpes, ao longo da história, eram tipicamente militares, mas que isso mudou hoje em dia. 

"E eu vou levar até o extremo essa contradição. Sinto muito, sabe, sinto muuuuito se uma das características deste golpe é detestar ser chamado de golpe", frisou Dilma. 

"As razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras", disse Dilma sorrindo à jornalista, na parte da entrevista que foi publicada ainda no sábado (28). E elas não têm nada a ver com seis decretos ou com Plano Safra [medidas consideradas crimes de responsabilidade]."

"Fernando Henrique Cardoso assinou 30 decretos similares aos meus. O Lula, quatro. Quando o TCU disse que não se podia fazer mais [decretos], nós não fizemos mais. O Plano Safra não tem uma ação minha. Pela lei, quem executa [o plano] são órgãos técnicos da Fazenda", completou, afirmando que acredita ainda ser possível barrar o impeachment no Senado, principalmente devido aos detalhes que têm surgido sobre as motivações reais para a aprovação do impedimento.

"As conversas [com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, divulgadas na imprensa] provam o que sistematicamente falamos: jamais interferimos na Lava Jato. E aqueles que quiseram o impeachment tinham esse objetivo. Não sou eu que digo. Eles próprios dizem", alegou Dilma.

Para Dilma, além de servir como algo para barrar as investigações da Lava Jato, o impeachment também serviu para "colocarem em andamento uma política ultraliberal em economia e conservadora em todo o resto". 

Impostos para os mais ricos e democratização da mídia

Questionada sobre a antiga bandeira do PT de taxar os mais ricos, projeto que não foi adiante, a mandatária afastada apontou que tal projeto, assim como a democratização da mídia, não passa do Congresso. Ela criticou a concentração da mídia no Brasil. "Não é possível ter o controle oligopolista da mídia."

"Tentamos aprovar o imposto sobre lucros e dividendos e juros de capital próprio. E perdemos, querida. Não passa no Congresso. É que nem a democratização da mídia. Eu fui fiadora da democracia. Não tive a menor tentação de reprimir ninguém em 2013 [durante as manifestações]", indicou Dilma. 

"Eu falei duas vezes durante a campanha e uma vez depois [sobre democratização da mídia]. Diziam: manda uma lei. Eu vou mandar uma lei para perder, é? Porque uma das coisas que o senhor Eduardo Cunha dizia para quem quisesse ouvir é que ele tinha feito uma negociação e que essa proposta não passaria."

Ela também fez referência à recente manifestação de Michel Temer, que bateu na mesa dizendo que sabia lidar com bandidos, em meio a protestos de movimentos sociais na frente da casa do peemedebista. "Nunca bati na mesa dizendo que eu sei tratar com bandido. Eu não sei tratar com bandido. Eu sei tratar direitinho com movimento social. Ele, a gente respeita", ressaltou.