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Liminar impede estudantes da UFMG realizarem assembleia sobre impeachment

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Uma liminar concedida na sexta-feira (29) pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) proibiu o Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP), entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de prosseguir com a realização de uma assembleia para discutir o posicionamento dos alunos diante do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Foi fixada uma multa diária de R$ 500 em caso de descumprimento.

A decisão, assinada pela juíza Moema Miranda Gonçalves, provocou revolta entre estudantes que ficaram até as 22h de ontem na instituição discutindo medidas a serem tomadas.

Em seu despacho, a juíza Moema Miranda alega que "a pauta da Assembleia Geral Extraordinária divulgada como sendo o posicionamento dos alunos da Faculdade de Direito da UFMG perante ao impeachment e as consequentes ações decorrentes desse posicionamento fogem ao objetivo estatutário da entidade estudantil." Para ela, o interesse primordial a ser defendido pela entidade é o direito à educação e seus eventos teriam como finalidade complementar e aprimorar a formação universitária.

Segundo a presidenta do CAAP, Ana Carolina Oliveira, a decisão é uma censura e fere a liberdade de expressão. Para ela, o movimento estudantil sempre tomou posições políticas. "A diretoria do CAAP tirou uma posição contra o impeachment, mas sabemos que os estudantes da faculdade apresentam diversas opiniões. Por isso, discutir o assunto em assembleia me parece fundamental para que todos possam se manifestar e construir um posicionamento com mais legitimidade. Ainda mais se tratando de um processo que é tão jurídico quanto político. E justamente estudantes de direito não podem discutir o tema?", disse.

A líder estudantil disse que o oficial de justiça chegou com o mandado por volta de 17h, quando a entidade estava realizando a segunda chamada para a assembleia e verificando se o quorum mínimo de 100 presentes havia sido atingido. A atividade foi suspensa, mas os estudantes decidiram ingressar com um recurso contra a decisão. Também aprovaram a convocação de uma nova assembleia para a próxima quarta-feira (4), que deverá acontecer independentemente da liminar ser ou não cassada.

O professor da Faculdade de Direito Marcelo Cattoni saiu em defesa do CAAP. Para ele, a juíza desconsidera que o estatuto do CAAP prevê a realização de eventos para discussão e deliberação de temas de grande repercussão nacional, como é o processo de impeachment. Também teria havido desrespeito ao direito constitucional de reunião pacífica, segundo o professor.

"Ela também demonstra desconhecer toda a trajetória de luta política da entidade. Nos últimos 100 anos, o CAAP esteve mobilizado em todos os momentos decisivos da história do Brasil. Um ex-presidente da entidade, José Carlos da Mata Machado, foi assassinado pela ditadura militar, pelo seu engajamento. Há toda uma geração que resistiu também à ditadura do Estado Novo, que participou da campanha do Petróleo é Nosso, da reconstitucionalização do Brasil em 1932, das Diretas Já e do processo de impeachment do presidente Collor", acrescentou Cattoni.

A decisão da juiza Moema Miranda respondeu um pedido dos estudantes Túlio Vivian Antunes e Maria Clara Barros. Os autores da ação também acusaram o CAAP de planejar aprovar uma greve contra o impeachment. Na manhã deste sábado (30), ambos publicaram nas redes sociais um nota informando que irão encerrar a ação ainda hoje. Segundo o texto, o objetivo foi alcançado.

"Acreditamos que após esta repercussão não haverá nenhuma tentativa de votação de greve ou de qualquer outra matéria de tamanha importância, sem que o corpo discente seja devidamente informado".

A greve tem sido um recurso utilizado por estudantes mobilizados contra o impeachment em outras regiões do país. A União Nacional dos Estudantes (UNE) chegou a convocar uma paralisação geral nas universidades na última quinta-feira (28). No entanto, Ana Carolina Oliveira garante que a diretoria do CAAP não cogitou em momento algum a realização de uma greve. "Se, eventualmente, os estudantes aprovassem uma posição contra ou a favor do impeachment, poderiam decidir se manifestar através de nota ou de um ato. Nas reuniões do CAAP, a greve foi descartada", explicou.

Regimento

Na nota, Túlio Vivian Antunes e Maria Clara Barros também defendem que, diante da divisão política existente na faculdade, é legítimo que favoráveis e contrários ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff publicizem suas opiniões. No entanto, discordam que uma assembleia deva aprovar um ponto de vista. "O que não consideramos legítimo é emitir uma única posição em nome de todos os alunos, afinal, nem todos os alunos são favoráveis ao impeachment", defendem.

Os autores da ação também acusam o CAAP de descumprimento do regimento da entidade. Segundo eles, a assembleia foi convocada às pressas, em horário que dificulta a presença dos alunos, com o intuito de aprovar uma greve estudantil contra o impeachment. A magistrada concordou não haver urgência para realização da atividade, já que o processo de impeachment vem tramitando há vários meses.

O professor Marcelo Cattoni discorda e entende que houve uma ingerência descabida do Judiciário. "Quem deve decidir se um assunto merece ser tratado em regime de urgência em assembleia estudantil são os órgãos previstos no estatuto do CAAP, a começar pela sua diretoria. É uma questão que diz respeito ao movimento estudantil, que diz respeito ao processo de deliberação do qual devem participar os próprios estudantes, defende.

Para Ana Carolina, o CAAP seguiu rigorosamente todos os trâmites previstos no estatuto. Ela estranhou a celeridade do processo. "Segundo nossos advogados, a ação foi protocolada na quinta-feira (26) às 23h e às 14h do dia seguinte já havia uma decisão liminar", disse.

A presidenta da entidade estudantil também se indigna com outras acusações que constam da ação. "Nós fomos acusados de aparelhamento partidário, e não há sequer um membro da diretoria do CAAP filiado a partido político. Estamos sendo proibidos de ter posição. Inclusive, os alunos que entraram com a ação também disseram que nossos posicionamentos são opostos a grande parcela da comunidade acadêmica. Então não sei qual é o problema. Basta irem na assembleia e apresentarem seus pontos de vista. A assembleia é aberta a todos e se delibera por maioria", reiterou.

Diretas Já

Ex-presidente do CAAP em 1983, no período da campanha das Diretas Já, Roberto Auad também prestou solidariedade à atual gestão e lembrou episódio semelhante ocorrido quando integrava a entidade. "Na época, o CAAP aprovou uma posição a favor da campanha Diretas Já. Da mesma forma como ocorreu agora, grupos opositores recorreram à Justiça para tentar impedir a assembleia que discutiria o tema. O Judiciário, porém, não acatou o pedido. Os setores reacionários sempre recorreram a ações para tentar impedir a manifestação dos estudantes. A novidade é o acolhimento por parte desta juíza", disse.

Ele criticou a decisão, lembrando que diversas entidades têm manifestado sua opinião sobre o processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff. "A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem uma posição a favor do impeachment. Ninguém foi lá dizer que ela não pode ter uma opinião. E aliás, ela não fez nenhuma consulta em assembleia aos seus empresários associados. Foi uma decisão unilateral da diretoria. O CAAP está democraticamente chamando uma assembleia para ver o que os alunos acham", disse Auad.

Atualmente, ele é diretor do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais e anunciou que a entidade também irá se movimentar para derrubar a liminar. "Iremos entrar com um agravo de instrumento. Tenho convicção de que a decisão será cassada".

Faculdade de Medicina

Os posicionamentos de estudantes sobre o impeachment também têm gerado polêmica na Faculdade de Medicina da UFMG. No dia 15 de abril, uma faixa foi exposta na janela do edifício com os dizeres "Golpe nunca mais". Em reunião na congregação da Faculdade de Medicina realizada na última quarta-feira (27), professores defenderam a abertura de uma comissão de sindicância para apurar responsabilidades pela manifestação.

Sem citar nomes, um grupo intitulado UFMG pela Democracia assumiu a autoria da faixa e classificou de perseguição política a ideia de uma comissão de sindicância. "Nossa atitude não fere em nenhum aspecto o regimento interno na UFMG e não causa nenhum tipo de prejuízo ao zelo institucional da universidade", afirmaram em nota. Eles também acusaram o Diretório Acadêmico Alfredo Balena (DAAB), entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG, de se disponibilizarem para delatar os autores do ato. "Gostaríamos que o Diretório Acadêmico se retrate frente a sua própria história de luta pela democracia", defendeu.

A abertura ou não da comissão de sindicância ainda será apreciada em nova reunião da congregação. Em nota divulgada neste sábado (30), o DAAB informou que o representante discente na congregação apenas respondeu afirmativamente quando questionado se conhecia os envolvidos no ato, mas que não apresentou qualquer intenção de delatar os mesmos. A entidade informa também que está realizando "uma agenda de reuniões e conversas dentro da faculdade objetivando evitar a implementação desse processo institucional, preservando a imagem e a permanência dos estudantes."

No dia em que a faixa foi erguida, o DAAB se posicionou contra o ato. A entidade questionou a exposição de ideias políticas em um prédio público com grande peso na sociedade. Também enfatizou que a opinião do médico tem grande impacto devido às assimetrias na relação entre ele e seus pacientes. "O DAAB não compactua com a forma como que manifestações na Faculdade de Medicina têm sido realizadas, sejam elas na forma de panfletos, faixas, adesivos ou infláveis", diz a nota publicada em 15 de abril nas redes sociais.