Para os brasileiros, portugueses e todos os que em outras partes do mundo falam nossa língua e compartilham de nossa cultura, o bacalhau, mais do que um peixe ou uma iguaria, representa uma metáfora dos vínculos que nos unem e nos fazem sentir integrantes de uma família grande e unida.
Por isso, a Academia do Bacalhau de Brasília - a qual terei, a partir de hoje, a honra de presidir - trata não apenas de cultivar o palato, mas também de preservar o objeto de nosso culto para as próximas gerações.
É, assim, fundamental, assegurar a sustentabilidade da produção e da oferta do verdadeiro bacalhau, o do Atlântico, o Gadus Morhua, que há não muito tempo atrás chegou a nos pregar um susto, com a ameaça de seu desaparecimento. Mas hoje, felizmente, graças ao regime de cotas de pesca, a situação começa a se reverter.
Assim é que embora as cotas de pesca para 2015 tenham sido 10% inferiores às de 2014, foram ofertadas ao mercado este ano quase 900 mil toneladas do Gadus Morhua da zona do mar de Barrents, cuja pesca é administrada com muita eficácia pela Noruega e a Rússia.
Nas regiões pesqueiras do nordeste do Atlântico Norte (triângulo nordeste dos EUA e Canadá, mais Groenlândia) as restrições à pesca do bacalhau são ainda mais severas, pois aí os danos da sobrepesca foram, no passado, também mais intensos.
O sistema das quotas - que desde 1978 vige para a pesca em alto-mar, e desde 1992 para a pesca costeira - e outras medidas (restrições associadas ao tamanho do peixe pescado) permitiu, também, que bacalhau capturado nas regiões árticas da Europa estivesse já em idade adulta, com tamanho quatro vezes superior à média do que se pescava há pouco mais de vinte anos.
Nosso engajamento pela conscientização ambiental deve também se voltar para outras ameaças ao crescimento dos estoques de bacalhau, como a elevação da temperatura dos mares; as mudanças na cadeia alimentar (inclusive em decorrência da sobrepesca de outras espécies de peixe) e, o que não é menos sério, a contaminação das águas do Atlântico Norte.
Como poucos de nós jamais terão visto um bacalhau vivo, vale uma breve descrição : é um peixe robusto, achatado quando visto de lado, com corpo que se afila em direção à calda. E atenção, ao contrário de campanha difamatória, o bacalhau tem a cabeça no lugar adequado. E que cabeça, aliás! Ela é grande, pode ter um quarto do comprimento total do peixe. O maxilar superior é forte, e, do inferior, apresenta-se um barbilho - isso mesmo, um fiapo de barba - muito útil para a detecção de presas.
Aprendemos muito com a excelente dissertação de mestrado de Anna Rosa Maria Lopane ("Bacalhau no Brasil: Um Mercado sob o Impacto da Globalização, UFRRJ, 2014). Ao abordar o mercado brasileiro, ela se refere à grande falta de informação sobre a origem dos peixes à venda (rastreabilidade), sobretudo em relação ao bacalhau desfiado. Aponta, em outro ponto, para a disseminação do bacalhau, na forma de bolinhos, ou dessalgado (presença em restaurantes "a quilo"), o que a ser ver contribuiria para uma "deselitização do consumo".
Para fechar, uma informação utilíssima ao consumidor: Pela legislação brasileiras , apenas dois tipos de peixe podem utilizar a designação Bacalhau: o Gadus Morhua, que é o bacalhau legítimo, e o Gadus Macrocephalus, o bacalhau do Pacífico. Todos os demais , preparados da mesma maneira, recebem a designação "pescado salgado seco".
*Pedro Luiz Rodrigues é diplomata e jornalista. Assume hoje a presidência da Academia do Bacalhau de Brasília.