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Redução da maioridade: Após votação, especialistas e autoridades debatem medidas de segurança

Ministro Pepe Vargas reconhece que medidas para reduzir criminalidade são complexas

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Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, procura dispositivos para dar continuidade à votação da PEC da redução da maioridade penal (171/93), especialistas, líderes políticos e autoridades ligadas ao direito da criança e do adolescente avançam com as discussões em torno da questão. As medidas que devem ser adotadas visando reverter os índices de criminalidade no país envolvendo menores, tomaram neste momento o centro dos debates. 

O ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, disse nesta quarta-feira (1/6) que as medidas necessárias para reduzir a criminalidade no país, especialmente envolvendo adolescentes, representam um "fenômeno complexo". "São múltiplas as causas que precisam ser atacadas e em diversas dimensões, envolvendo a União, os estados, os municípios", salientou. A maior parte das atribuições de Segurança Pública estão com os estados, mas o governo federal, segundo Vargas, tem buscado maior responsabilidade neste tema. 

"Enviamos uma emenda constitucional que deve ser apresentada em muito breve [no Congresso Nacional]. Existe um conjunto de questões que precisam ser idealizadas, no que diz respeito, especificamente, aos adolescentes. É fundamental que o sistema socioeducativo aplique as diretrizes e as políticas definidas na Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, assinado em 2012. Há necessidade de qualificação no sistema onde os adolescentes cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade. Um conjunto de medidas que precisam ser realizadas que dependem do apoio do governo federal, mas também dos entes federados", destacou o ministro.

A Carta de Constituição de Estratégias em Defesa da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente, assinada em outubro de 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça, do Ministério Público, dos Defensores Públicos Gerais, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e outros ministérios afins, prevê medidas concretas para garantir os direitos dos menores, com total prioridade por parte do Estado, da família e agentes de entidades do setor. Quatro diretrizes orientam as ações propostas na Carta, com foco no enfrentamento da violência, que são o implemento das políticas sociais e dos serviços públicos, o melhoramento das redes públicas de recolhimento, de internação para medidas socioeducativas, a erradicação do trabalho infantil e o fortalecimento dos Conselhos Tutelares. 

A coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Eufrásia Maria Souza das Virgens, acredita que a "Carta de Estratégia" apresenta caminhos confiáveis e eficientes para se tratar os casos envolvendo menores infratores. Na avaliação da defensora pública, somente após a aplicação destas diretrizes, e de forma conjunta entre as esferas governamentais e entidades do setor, pode-se ter um panorama acurado da juventude no país. "Não adianta aumentar tempo de internação do menor, isso também não resolve. O problema está no fato do estado não estar fazendo a sua parte", acrescenta. Eufrásia considerou a rejeição à redução da maioridade uma "importante vitória", já que o projeto, na sua opinião, significa um "retrocesso na garantia dos direito dos menores e uma medida inconstitucional". 

O Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Veiga Rios, também considerou "excelente" o resultado da votação na Câmara Federal, pelo fato de não associar a redução da maioridade penal à queda na criminalidade. "Foi vendido [a queda dos índices de criminalidade pela redução da maioridade penal] como um prato feito e absolutamente nada indica isso. Até pela experiência que temos de outros países", disse Rios, citando a Alemanha, Espanha e estados norte-americanos que aprovaram o projeto e depois voltaram na decisão, mesmo com um sistema prisional bem mais sofisticado que o Brasil e, assim, com maior capacidade de recuperar o menor infrator.

"O nosso [sistema prisional] é conhecido pelo fato de que 70% das pessoas que saem das penitenciárias voltam à delinquência, e quase todos são reincidentes específicos, voltam a cometer os mesmos crimes", disse Rios. Para o procurador, os estados deveriam aumentar o grau de atenção ao adolescente vulnerável, considerando até as estatística que revelam um número assustador de menores assassinados no país. "Para cada três menores que cumprem medidas socioeducativas, outros três são assassinados", diz o procurador federal. 

"Se não conseguimos proteger as crianças que são abandonadas, mortas ou cooptadas pelo tráfico, pela violência policial, então, estamos em um caminho errado. Ao invés de estarmos trabalhando para a inclusão social, profissional", analisa o procurador. Depois de muitas tentativas para mudar a realidade no país acerca da Segurança Pública, o procurador considera que há um sentimento de decepção pelas medidas não surtirem os efeitos desejados, assim como a incapacidade do estado de reforçar as políticas específicas do setor. 

"Os nossos dados mostram que mais de 40 mil adolescentes foram atendidos [em centros Socioeducativos] em 2009, e este número sobe para mais de 88 mil em 2011. As promotorias de infância estão têm funcionado. Em relação às internações, que são as medidas socioeducativas mais graves, os números também aumentaram tremendamente, saindo de 16 mil em 2009 para 21 mil hoje. Então, está havendo resposta, mas elas são insuficientes em relação às expectativas de parte da sociedade, especialmente com relação a alguns casos mais graves", analisa o procurador. O sensacionalismo na veiculação de notícias envolvendo menores, na análise do procurador, provoca na população um clima de temor e vingança, que por sua vez pode transferir estes sentimentos para o discurso da redução da criminalidade.

Aurélio Veiga Rios, um dos autores da "Carta de Estratégias" pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), destaca que as medidas socioeducativas de menores infratores dobraram nos últimos anos, o que prova que já há punição para esta população. "Se não corrigirmos os erros das nossas políticas públicas, que tem sido ausentes ou insuficientes, não vai adiantar nada. E não vai ser ampliando o sistema penal já falido e comprometido, que está sendo fortemente questionado junto ao sistema interamericano de direitos humanos com várias medidas contrárias ao Brasil pela falta de proteção dos presos dentro dos estabelecimentos, isso só vai aumentar. Podemos agravar este quadro. Temos que entender os efeitos colaterais disso [redução da maioridade penal] dentro de todo o sistema de Justiça", diz o procurador. Ele ainda afirma que quem defende a redução da maioridade penal não pensou na infraestrutura para receber esta população no sistema prisional e nem no apoio à família destes menores.