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MPF denuncia coronel Ustra e mais dois por morte de ativista

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O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, nesta sexta-feira (19), três militares pela morte do militante político Hélcio Pereira Fortes, em janeiro de 1972. Hélcio era ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele foi morto aos 24 anos após intensas sessões de tortura realizadas nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) em São Paulo. O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado Dirceu Gravina e o servidor aposentado Aparecido Laertes Calandra são acusados por homicídio doloso qualificado.

Hélcio Fortes foi sequestrado em 22 de janeiro de 1972 por agentes da repressão no Rio de Janeiro, em circunstâncias não esclarecidas, e levado para a sede do DOI no Rio. Após alguns dias, foi transferido para o DOI em São Paulo. Lá, o então major Ustra, que comandava a unidade, e seus subordinados à época (Gravina e Calandra) submeteram o militante a práticas ininterruptas de tortura e maus tratos, provando sua morte.

Segundo a versão oficial, criada por Ustra, segundo o MPF, a morte de Hélcio teria ocorrido às 10h do dia 28 de janeiro. No entanto, conforme relatado pela testemunha Darci Toshiko Miyaki, militante da ALN que também esteve presa no DOI na mesma época, ela e Hélcio ainda estavam a caminho de São Paulo naquele dia, sendo conduzidos na viatura com agentes da repressão. Chegaram ao DOI em São Paulo por volta das 16h.

Darci afirma ainda que, ao chegarem em São Paulo, foram levados imediatamente para a sala de interrogatório, onde foram torturados. Por estar em uma sala ao lado da de Hélcio, ela conta que podia ouvir os gritos dele, nos momentos em que suas torturas eram interrompidas. Em um desses intervalos, um dos agentes chegou a dizer-lhe que Hélcio estava sendo empalado. A testemunha acredita que Hélcio faleceu no dia 30 ou 31 de janeiro, pois ao ser conduzida para a “solitária” pelo carcereiro, ele afirmou que dali havia acabado de sair um “presunto fresquinho”, referindo-se à vítima. Além disso, a partir daquela data não ouviu mais os gritos dele.

Visando dissimular a causa da morte de Hélcio, Ustra planejou e executou a “versão oficial” de que a vítima teria fugido da prisão e falecido em decorrência de tiroteio com agentes de segurança. Para justificar a versão, os denunciados forjaram um suposto tiroteio travado com agentes dos órgãos de segurança, supostamente ocorrido no dia 28 de janeiro, quando a vítima teria sido ferida e vindo a falecer.

Esta versão consta também do atestado de óbito de Hélcio, bem como do respectivo laudo do exame de corpo de delito, subscrito pelos médicos Isaac Abramovitch e Lenilso Tabosa, designados para fazer a autópsia na vítima. O laudo foi solicitado por Alcides Cintra Bueno Filho, falecido delegado do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), que estava ciente da farsa. Na requisição feita por Alcides, já constava a letra “T”, escrita em vermelho, que indicava se tratar de um “terrorista”, e a natureza da ocorrência como “homicídio”.

Ocultação 

O corpo de Hélcio foi enterrado no Cemitério Dom Bosco, em Perus, sem a presença dos parentes. A família somente conseguiu levar os restos mortais da vítima para sua cidade natal, Ouro Preto, três anos depois, em 1975. A ocultação do cadáver do militante visava esconder a verdadeira causa da morte, pois, após enterrado, dificilmente o corpo seria localizado e, assim, não seria possível constatar a existência de marcas deixadas pela tortura.

Além da condenação por homicídio doloso, o MPF quer que Ustra, Gravina e Calandra tenham a pena aumentada devido a vários agravantes, como motivo torpe para a morte, emprego de tortura, abuso de poder e prática de um crime para a ocultação e a impunidade de outro.

O procurador da República Anderson Vagner Gois dos Santos, responsável pela denúncia, destaca que não se pode falar em prescrição ou anistia nos crimes relatados. “Os delitos foram cometidos em contexto de ataque sistemático e generalizado à população, em razão da ditadura militar brasileira, com pleno conhecimento desse ataque, o que os qualifica como crimes contra a humanidade – e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia”, diz trecho da denúncia.