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SP: multa para aumento de uso de água é ilegal sem racionamento, dizem entidades

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Entidades de defesa do direito do consumidor avaliam que a multa aos usuários da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) que aumentarem o consumo de água só é legal após adoção de racionamento. No início da semana, o governador Geraldo Alckmin anunciou que a Sabesp adotará a medida para enfrentar a crise hídrica. Hoje (24) o nível do Sistema Cantareira, o maior do estado, caiu para 11,6%. As organizações aguardam a oficialização da proposta para adotar medidas legais. Segundo a companhia, o acréscimo deve ocorrer para quem gastar mais do que a média dos 12 meses do ano passado. O órgão informou também que a cobrança dessa taxa extra ainda precisa ser regulamentada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia no Estado de São Paulo (Arcesp) para entrar em vigor.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste) já enviou ofício ao governador pedindo esclarecimentos sobre a proposta de aplicação da multa. “Questionamos se houve autorização das agências do setor para multar”, esclareceu Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da associação. Ela destaca que a legislação só permite essa medida em condições extremas. “A tarifa de contingência, caso seja adotada, vai incidir, preferencialmente, sobre consumidores que ultrapassarem os limites previstos no racionamento”, apontou.

A Sabesp justifica a medida com base na Lei Federal nº 11.445/2007, que prevê mecanismos tarifários de contingência. Segundo a companhia, a iniciativa é uma forma de garantir segurança no abastecimento em meio à maior crise hídrica dos últimos 84 anos.

A ProTeste aguarda o retorno do ofício para avaliar as medidas a serem tomadas. Maria Inês destaca que, caso a multa passe a valer, o consumidor será duplamente penalizado, pois ele já está arcando com o custo adicional da geração de energia das termelétricas.

Para o gerente técnico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu Oliveira, a medida é ilegal. O Código de Defesa do Consumidor é uma das justificativas que sustentam essa declaração. “O aumento injustificado de preço, de serviços ou produtos, é uma prática abusiva. Para que ele tenha justificativa, o governo do estado deveria decretar um regime de racionamento”, defendeu. Oliveira destaca que, em um Estado Democrático de Direito, a aplicação de qualquer penalidade precisa obedecer a uma norma.

O Idec questiona o fato de a medida estar amparada na lei federal citada pelo governo. Segundo o gerente, o Artigo 46 do texto, além de definir que uma situação crítica envolve racionamento, que deve ser declarado pela administração estadual, as medidas tarifárias devem ser adotadas pelo ente regulador, no caso a Arcesp, e não o governador. “Essa atitude é, até o momento, ilegal. Não pode sair multando as pessoas”, avaliou. Oliveira defende ainda que as prefeituras deveriam ser consultadas, pois a titularidade dos serviços de saneamento é de responsabilidade municipal.

A posição da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua vez, será definida em reunião no dia 6 de maio. “Temos que saber qual o instituto jurídico que será utilizado. Se for um decreto, vamos observar se está em consonância com o Código de Defesa do Consumidor”, esclareceu Marco Antonio Araújo, presidente da comissão. Ele também avalia que ainda não estão sendo cumpridos os requisitos, previstos na legislação, necessário para aplicação de penalidades ao consumidor.

O advogado cita duas condições: a declaração pública de escassez e o plano de racionamento. “Até hoje o que temos ouvido que a situação está sob controle, que serão incluídas outras represas. O discurso é que as coisas estão sob controle”, apontou. Em relação ao racionamento, Araújo destaca que a penalidade tem que ser avaliada a partir do descumprimento do plano. “Se não há os dois elementos que são requisitos objetivos da legislação para aplicação de uma tarifa de contingência, ela não pode ser aplicada com base nesse decreto [nº 7.217/2010, que regulamenta a Lei Federal nº 11.445]”, declarou.

Araújo considera ainda que há uma confusão entre os conceitos de consumo em excesso e desperdício. Para ele, o primeiro não deve ser punido, pois pode ser justificado. Por exemplo, o aumento do número de moradores na casa, uma obra na residência. O desperdício, por outro lado, pode ser punido, caso haja uma lei para isso. Segundo o advogado, um há um projeto em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo que define os meios de desperdícios e estabelece formas de punição, assim como os recursos. “[A proposta do governo, entretanto,] deixa na mão da Sabesp o que ela considera desperdício ou não. Não nos parece razoável”, avaliou.

A Agência Brasil entrou em contato com a Sabesp para saber qual a posição da companhia em relação às críticas das entidades de defesa do consumidor e aguarda retorno.