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Mensalão: ex-presidente do STF admite revisão de penas nos infringentes

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Brasília - O ministro aposentado Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, disse ao Jornal do Brasil, nesta quarta-feira (25/8), que a apreciação dos embargos infringentes dos condenados na ação penal do mensalão não deve ser confundida com “um novo julgamento”, mas ressaltou que, de outro lado, “não se pode deixar os embargantes com a brocha na mão”.

Assim, ele concorda com o entendimento do relator dos recursos, ministro Luiz Fux, de que não cabe, na análise de tais embargos, reexame de provas. No entanto, a seu ver, tais recursos existem para que os réus que tiveram pelo menos quatro votos a seu favor – nos casos de ação penal originária no STF – possam provocar o “reexame dos pressupostos em que se basearam os votos vencidos”.

Divergências

O ministro Luiz Fux afirmou, nesta terça-feira, em breve comentário, que os embargos infringentes “são restritos à matéria da divergência”. Carlos Velloso – que continua ativo como advogado e parecerista – explica que a regra geral é no sentido de que esses recursos existem, exatamente, para que sejam rediscutidas “as divergências postas nos votos vencidos”. E não, apenas – como nos embargos de declaração – para suprir omissões ou afastar obscuridades.

“Nos embargos infringentes reabre-se a discussão não de provas, mas de divergências doutrinárias constantes dos votos vencidos, quando estes votos – quatro ou cinco, no caso do plenário do STF – estiverem devidamente registrados no acórdão do julgamento”, Velloso admite que – desde que conste do acórdão publicado em abril último – a questão do “domínio do fato” pode e deve ser rediscutida.

“Domínio do fato”

A questão do “domínio do fato” – que voltou à tona com entrevista do jurista Ives Gandra, publicada domingo último no jornal Folha de são Paulo – foi muito debatida no julgamento do chamado núcleo político do esquema do mensalão.

No dia 10 de outubro do ano passado, na 34ª sessão do julgamento da ação penal do mensalão, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu foi condenado por crime de corrupção ativa pelo plenário do STF por 8 votos a 2, vencidos apenas os ministros Ricardo Lewandowski (revisor) e Dias Toffoli.

A folgada maioria entendeu que - embora não houvesse nos autos "prova documental" da participação de José Dirceu no esquema de compra do apoio político de parlamentares - os depoimentos e outras evidências, como reuniões do ex-ministro, no Palácio do Planalto e em outros locais, com a presença do até então desconhecido publicitário Marcos Valério e do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, foram suficientes para enquadrar o ex-chefe da Casa Civil no crime de corrupção ativa. Ou seja, a maioria do STF entendeu que o principal réu do núcleo político da AP 470 não podia deixar de ter o “domínio dos fatos” narrados na denúncia e nos autos, já que era o principal ministro e articulador político do primeiro Governo Lula.

Celeuma

A aplicação pelo STF à ação pena do mensalão da teoria do domínio do fato para condenar Dirceu por corrupção ativa e formação de quadrilha (6 votos a 4) – sem qualquer “ato de ofício” do ex-ministro arrolado nos autos – provocou muita celeuma. Sobretudo depois que o professor alemão Claus Roxin, “pai” da teoria, e que esteve no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado, concedeu uma entrevista, que foi editada como se o teórico do direito penal também estivesse falando diretamente da ação do mensalão. Ele então fez divulgar uma nota em que disse não “estar em condições de afirmar se os fundamentos da decisão (condenação de José Dirceu com base no domínio do fato) são ou não corretos, sendo esta uma tarefa que incumbe, primariamente, à ciência do Direito Penal brasileira”.

No julgamento de Dirceu e dos demais membros do “núcleo político” do mensalão, o voto mais substancioso sobre o domínio do fato foi do decano Celso de Mello, segundo o qual “o país – na época do mensalão - veio a ser governado por dirigentes que perpetraram delitos infamantes, utilizando-se do aparato governamental para corromper o dever de gerir o Estado”. E destacou: “Estamos a tratar de uma grande organização criminosa que se posicionou à sombra do poder, formulando e implementando medidas ilícitas, que tinham a finalidade, precisamente, da realização de um projeto de poder". E defendeu a aplicação, no caso, da teoria do “domínio do fato” que, no entanto, “não dispensa a apresentação de provas sobre a materialidade e a autoria do ato delituoso.

A ministra Cármen Lúcia – que condenou Dirceu por crime de corrupção ativa, mas o absolveu no quesito formação de quadrilha - indagara então: “Como pode um partido que estava em crise financeira, de repente, movimentar tanto dinheiro sem que o seu presidente (Genoino) tivesse conhecimento da origem desses recursos, comprovadamente de origem ilícita, e usado para corromper parlamentares?”.

A ministra sustentou então, com base no “domínio do fato”, que o então chefe da Casa Civil, um dos principais “comandantes” do PT, não podia deixar de ter conhecimento da distribuição do mensalão. Voto vencido, o ministro-revisor Ricardo Lewandowski afirmou naquela oportunidade que não havia, na ação penal, “fungibilidade”, já que “todos os réus são nominados, identificados, eles têm nome, RG, endereço”, não havendo “razão, a meu ver, para se aplicar a teoria do domínio do fato”, E acrescentou: “E não há por que nós não estamos em uma situação excepcional, nós não estamos em guerra, felizmente. Então Senhor Presidente, eu termino dizendo que não há provas, e que essa teoria do domínio do fato nem mesmo se chamássemos Roxin poderia ser aplicada ao caso presente”.

6 a 4

De acordo com o Regimento Interno do STF, só têm direito aos embargos infringentes os condenados que conseguiram, pelo menos, quatro votos pela absolvição. No ano passado, as condenações por formação de quadrilha foram todas decididas por 6 votos a 4. Votaram, pelas condenações, os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto (já aposentado). Votaram pela absolvição: Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

No julgamento propriamente dito, a tese vencedora foi a de que, para a configuração de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal) basta a associação de mais de três pessoas “para o fim de cometer crimes”(reclusão de 1 a 3 anos).

No entanto, a minoria entendeu que o crime de formação de quadrilha não pode ser definido, somente, pela prática de um mesmo crime por várias pessoas. É preciso que o bando seja formado para o cometimento de crimes diversos. Além disso, no Código Penal, tal crime está no capítulo de “Crimes contra a paz pública”. No entender da minoria constituída no ano passado, os chamados crimes de colarinho branco não põem em perigo a “paz pública”. Ou seja, no caso do mensalão, os condenados não teriam ofendido a “paz pública” ao desviar dinheiro público e corromper agentes públicos. A maioria considerou, naquela ocasião, que tais crimes atentavam, sim, indiretamente, contra a paz social e, portanto, contra a paz pública. 

Os recorrentes

Nove condenados por formação de quadrilha têm direito ao recurso: O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu; o ex-presidente do PT José Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; o operador do esquema, Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz; e os ex-executivos do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, foi condenada pelo crime, mas não cumprirá pena porque houve prescrição.

Outros três réus poderão entrar com embargos infringentes para rediscutir a condenação por lavagem de dinheiro: o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o ex-assessor parlamentar do PP João Cláudio Genu; e o doleiro Breno Fischberg. Se ganharem os recursos, ficarão totalmente absolvidos. Os outros réus cumprirão pena pelos outros crimes (peculato, corrupção ativa ou passiva) aos quais foram condenados.

No caso de Dirceu, uma eventual absolvição por formação de quadrilha dará a ele o direito de cumprir pena de prisão em regime semiaberto, e não fechado, como determinou o STF no ano passado. Hoje, ele está condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, o que o leva automaticamente para o regime fechado. Se for absolvido do crime de quadrilha, a pena total cairia para 7 anos e 11 meses, e ele teria possibilidade de progressão para o regime semiaberto (menos de 8 anos de prisão).