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Advogado quer prorrogação da prisão de dono da Kiss

Marques: um dos pedidos mais difíceis da carreira

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Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, o Kiko, um dos donos da Boate Kiss, entrou com um pedido inusitado na Justiça na tarde desta segunda-feira (25): ele quer que a prisão temporária de seu cliente, que termina no próximo domingo, dia 3 de março, seja prorrogada por mais 30 dias. Essa não foi a única solicitação encaminhada ao juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria. 

Marques quer ainda que o inquérito policial não seja dado como concluído sem que todas as responsabilidades sejam apontadas, restringindo-se somente ao núcleo do qual fazer parte os quatro presos: os sócios da Kiss, Kiko Spohr e Mauro Hoffmann, e os dois integrantes da Banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão.

"Não é possível que o inquérito seja concluído nesta semana com a declaração da autoridade policial de que não encerrou a investigação", declarou o defensor. Jader Marques afirma que a intenção do pedido de prorrogação da prisão de Kiko Spohr é que ele fique à disposição da Polícia Civil para eventuais acareações e reconstituições que se fizerem necessárias. O advogado manifestou que o dono da Kiss gostaria de ficar frente a frente com pessoas que teriam dado na polícia, na visão dele, versões que não seriam verdadeiras. 

"Esse pedido (de prorrogação da prisão) é um dos mais difíceis da minha carreira", disse Marques, ressaltando que a solicitação se refere somente a seu cliente e que ele não conversou com os advogados dos outros presos.

Confrontar versões

Entre as pessoas com quem Kiko desejaria acarear está o tenente-coronel da reserva dos bombeiros Daniel Adriano, que assinou o primeiro alvará de prevenção contra incêndio da Kiss, além de outros dois oficiais da corporação. O empresário também gostaria de confrontar versões com o engenheiro da obra de isolamento acústico da casa noturna, com uma ex-funcionária da boate e dois membros da banda Gurizada Fandangueira. O advogado também ressaltou que Kiko gostaria de voltar à boate para explicar detalhes sobre a espuma colocada e que seria a principal responsável pelas mortes.

Marques explicou que a prorrogação seria possível porque o primeiro pedido de prisão temporária por cinco dias foi baseado na Lei 7960/89, que estipula as condições para ela. Na ocasião do pedido feito pela Polícia Civil e concedido pela Justiça, o caso da tragédia da Kiss ainda seria investigado como homicídio culposo (sem intenção). Na solicitação de prorrogação da prisão por mais 30 dias, a base jurídica seria a Lei dos Crimes Hediondos, pois o inquérito já tinha elementos que apontavam para um homicídio doloso qualificado (com o componente jurídico do dolo eventual, em que a pessoa assume o risco de matar).

Na interpretação do advogado Jader Marques, como o primeiro pedido de prisão foi baseado em uma lei, e o seguinte já teve como base a Lei dos Crimes Hediondos, que permite a prorrogação por mais 30 dias, ele teria argumentos para manter seu cliente preso.

O pedido de prorrogação da prisão não foi o único feito nesta segunda-feira pelo advogado. Ele também quer que a namorada de Kiko, que está grávida, seja ouvida no inquérito policial, o que ainda não ocorreu. A intenção do defensor - que mostrou um vídeo com um depoimento gravado com a mulher durante entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira - é mostrar que seu cliente não poderia "assumir o risco de matar" com a namorada dele, esperando o filho dele, dentro da boate. "Ela é uma vítima e ainda não foi ouvida", destacou Marques.

Outro pedido feito por Marques deve gerar polêmica. Ele quer saber se houve uma ordem para a liberação dos corpos das vítimas da tragédia sem uma perícia técnica, às pressas. "Há dúvida sobre a capacidade do cianeto de provocar as mortes. Se os corpos foram liberados sem perícia, foi um atentado grave à investigação", afirmou Jader Marques. Se isso realmente aconteceu, ele disse que ainda não sabe como irá proceder.

Nesta segunda-feira, o advogado de Kiko entregou nove caixas com notas fiscais de compras da Boate Kiss, que estariam com o contador. Ele também deu depoimento no Inquérito Policial Militar que investiga a atuação dos bombeiros na tragédia.

Incêndio na Boate Kiss

Um incêndio de grandes proporções deixou mais de 230 mortos na madrugada do dia 27 de janeiro, em Santa Maria (RS). O incidente, que começou por volta das 2h30, ocorreu na Boate Kiss, na rua dos Andradas, no centro da cidade. O Corpo de Bombeiros acredita que o fogo tenha iniciado com um artefato pirotécnico lançado por um integrante da banda que fazia show na festa universitária.

Segundo um segurança que trabalhava no local, muitas pessoas foram pisoteadas. "Na hora que o fogo começou, foi um desespero para tentar sair pela única porta de entrada e saída da boate, e muita gente foi pisoteada. Todos quiseram sair ao mesmo tempo e muita gente morreu tentando sair", contou. O local foi interditado e os corpos foram levados ao Centro Desportivo Municipal, onde centenas de pessoas se reuniam em busca de informações.

A prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias e anunciou a contratação imediata de psicólogos e psiquiatras para acompanhar as famílias das vítimas. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde se reuniu com o governador Tarso Genro e parentes dos mortos. A tragédia gerou uma onda de solidariedade tanto no Brasil quanto no exterior.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Na segunda-feira, quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investigava documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergiam sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.