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Trabalho escravo: Senador de Tocantins passa à condição de réu em ação no STF 

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Por 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal acolheu nesta quinta-feira denúncia do Ministério Público Federal contra o senador João Ribeiro (PR-TO), que passa a ser processado e será julgado, no foro especial por prerrogativa de função, por crime de redução a condição análoga à de escravo de 35 trabalhadores de sua fazenda, situada no município de Piçarra, no Pará, divisa com Tocantins, a 550 quilômetros de Belém. O crime é punido com pena de reclusão de dois a oito anos.

O julgamento tinha sido suspenso em outubro de 2010, por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, depois do voto da então relatora, Ellen Gracie, a favor do acolhimento da denúncia e da abertura da ação penal. Na sessão desta quinta-feira, votaram pelo recebimento da principal parte da denúncia os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Os votos

Num longo voto, o ministro Gilmar Mendes não considerou comprovadas as provas de que o senador-fazendeiro tivesse cometido o crime de redução a condição análoga à de escravo, punida no Código Penal com pena de reclusão de dois a oito anos. Segundo Mendes, não se constatou que tenha sido violado, no caso, o direito de ir e vir dos trabalhadores rurais, o que — para o ministro — é condição fundamental para a caracterização desse tipo de crime.

Além disso, o ministro sublinhou haver diferença entre o crime de redução a condição análoga à de escravo e “irregularidade trabalhista”. A seu ver, as condições em que se encontravam os empregados não eram “degradantes”, tendo em vista a “realidade local”. Desqualificou, prova por prova, a denúncia oferecida pelo Ministério Público, e a rejeitou.

O ministro Luiz Fux acompanhou o voto da relatora, Ellen Gracie, quando do início do julgamento, em junho do ano passado. A seu ver, a tipificação do crime previsto no artigo deve ser analisada à luz do princípio constitucional da dignidade humana, e não apenas de restrição ou não ao direito de locomoção.

Dias Toffoli seguiu o voto de Gilmar Mendes, sublinhando a tendência “ideológica” de se criminalizar irregularidades trabalhistas flagradas pela fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério Público, mesmo quando não há indícios de “constrangimento, submissão ou violência”.

Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ayres Britto acompanharam a maioria que se formava, assim como Celso de Mello.

Marco Aurélio, ao aderir à divergência aberta por Gilmar Mendes, sublinhou que não ficou provada qualquer  coação física ou moral para manter os empregados contratados na fazenda, por piores que fossem as condições de trabalho, já que o imóvel rural estava a apenas seis quilômetros de Boa Vista.

Celso de Mello, o decano do tribunal e penúltimo a votar, acolheu a denúncia, por achar que havia provas suficientes para a abertura da ação penal. O presidente do STF, Cezar Peluso, último a votar, considerou que o Estado agiu rapidamente, já que havia indícios dos crimes imputados ao dono e ao administrador da fazenda. Mas recebeu a denúncia com relação ao crime de redução de alguém a condição análoga à de escravo.

A denúncia

Conforme a denúncia, de janeiro a fevereiro de 2004, nas dependências da Fazenda Ouro Verde, localizada na zona rural do Município de Piçarra, no Pará, o senador  João Ribeiro e Osvaldo Brito Filho (administrador) reduziram cerca de 35 trabalhadores a condição análoga à de escravos, conforme constatado pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho.

O denunciado João Batista de Jesus Ribeiro sustentou que foi interposto recurso perante a Delegacia Regional do Trabalho do Estado do Pará, e que, em razão disso, a punibilidade do agente estaria condicionada à decisão administrativa; que todos os empregados foram unânimes em afirmar que não eram proibidos de sair da fazenda, e que jamais sofreram qualquer espécie de coação ou ameaça.

Para a maioria, no entanto, as provas reunidas na fase preliminar de investigação comprometem o senador ao apontar para um quadro de condições degradantes, jornada exaustiva, restrição de locomoção, servidão por dívida e falta de cumprimento de promessas salariais e obrigações trabalhistas. O senador João Ribeiro foi reeleito por mais oito anos, com 375 mil votos.