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"A bolsa ditadura não é nada perto da bolsa guerrilha", diz pesquisador

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Na mesma semana em que o Ato Institucional 5 completou 43 anos, o psiquiatra Adail Ivan de Lemos lançou o livro "Desafia o nosso peito — resistência, tortura e morte durante o regime militar brasileiro", obra que analisa a fundo a atuação dos torturadores nos porões da ditadura. Além do conhecimento acadêmico, Ivan de Lemos contou com outro aliado para fazer seu livro ser considerado a mais completa obra sobre o tema, de acordo com o ex-deputado federal e ex-membro do Conselho Mundial da Paz, Modesto da Silveira. Trata-se da experiência. Além de psiquiatra, Ivan também integrou a luta contra o regime militar e, como centenas de jovens de sua época, acabou torturado nos porões dos departamentos de repressão. 

"O grande problema em tratar do tema é que a maior parte dos arquivos ainda é secreta. A gente só tem a versão dos militares. Pesquisei em tudo, desde as informações prestadas por eles até a experiênca de outras pessoas que foram torturadas. Eu, por exemplo, fui preso em duas ocasiões, em 1969 e 1973", lembra o pesquisador. "Mas esse livro não é um relato pessoal, não é uma história minha. É uma pesquisa séria baseada em vários depoimentos e informações colhidas". 

Além de um verdadeiro inventário de como a tortura era aplicada nos porões da ditadura, outro aspecto do livro de Ivan Lemos diz respeito a atuação dos "médicos da ditadura". Além das denúncias já conhecidas, como a falsificação de laudos médicos para ocultar as atividades dos militares, eles também teriam sido usados para dissuadir as famílias de seguir em frente com reividicações contra o regime. 

"Os médicos foram essenciais no combate a subervsão. Desde os médicos legistas até os psiquiatras que davam apoio às famílias, todos foram muito bem instruídos para proteger a ditadura. Tudo foi muito bem feito. Eles faziam com que as famílias não levassem as buscas pelas vítimas adiante para esquecer o trauma com mais facilidade", revela. 

Comissão da Verdade

Vitima do regime militar, Ivan de Lemos leva fé na Comissão da Verdade, mas não pensa em punição para os torturadores. Para ele, o importância na iniciativa está em trazer à tona verdades escondidas até hoje a respeito da ditadura.

"O soldado de baixa patente que combateu guerrilheiros e possivelmente matou alguns não deve ser alvo de ódio. Ele trocou tiro no Araguaia e tem o nosso respeito, era um combatente. Eu não acho justo uma pessoa que colocou um civil nu no pau-de-arara, deu eletrochoque e terminou o serviço dando-lhe um tiro na nuca deve ser considerado um anistiado político, ele é um covarde e um criminoso. Mas não podemos ficar alimentando revanchismo. Se você aplica a lei do olho por olho, todo mundo acaba cego. O importante é revelar a verdade", ressalta. 

O que deixa Ivan de Lemos inconformado é o tratamento que a mídia e os políticos mais conservadores têm dado à "bolsa guerrilha", que é uma compensação financeira aos combatentes políticos perseguidos na época. Semelhante às indenizações para vítimas de tortura, elas serviriam para pagar o dano que o Estado causou a estas pessoas. 

"Realmente, acho certo criticarem os pilantras que querem ser reparados por coisas que não viveram e não enfrentaram. Mas esses são uma minoria. O debate que a mídia esconde é que a 'bolsa ditadura' é bem mais custosa aos cofres públicos do que a 'bolsa guerrilha'", conta o psiquiatra. "A 'bolsa ditadura' é o conjunto de gratificaçõees que alguns militares ganharam por terem participado de torturas. Podia ser policial civil, policial militar ou do Exército, eles ganhavam patentes e gratificações por aceitarem participar das torturas. Até hoje, os altos salários são fruto do envolvimento deles com as sessões de tortura, algo esquecido e que jamais será reparado".