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Intervenção arriscada

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Longe de se tratar de assunto pertinente apenas aos brasileiros, a eleição do dia 7 tem sido acompanhada, com atenção, pelos países que conosco mantêm relações estreitas. Porque há casos em que o desfecho das urnas pode influir, de imediato, em certas situações no continente, com destaque para a Venezuela, país vizinho que vive grave crise político-institucional. Com toda certeza, ao futuro presidente brasileiro haverá de ser cobrado, por iniciativa dos Estados Unidos, posicionar-se em relação a uma eventual atitude intervencionista, que viria sob o rótulo de ação humanitária. Sem que se possa negar a tragédia humana vivida ali.

Dependendo do perfil e das ideias do presidente que em breve conheceremos, a adoção, pelos norte-americanos, de uma política mais rigorosa em relação à ditadura de Maduro, poderiam ter eles um dado a mais para justificar a incursão, tomada na devida conta a expressão de nossa chancelaria na América do Sul. A Casa Branca não teria suficiente tranquilidade para agir militarmente, sem o respaldo ou, pelo menos, a omissão de uma Brasília indiferente; embora assessores de Donald Trump já tenham em suas pastas poderosos argumentos políticos, depois das consultas realizadas com setores venezuelanos da oposição ansiosos por encerrar o ciclo bolivariano. Nunca houve dúvida quanto a esse propósito; e, se restasse alguma, há dias o influente New York Times cuidou de denunciá-lo, com um vigor não comum em seus editoriais.

Imprensa e setores influentes da sociedade estadunidense têm motivos para temer quanto à eficácia dessas jornadas intervencionistas na AmérIca Latina, que sempre se fizeram ao preço de graves lesões no campo dos direitos humanos e das liberdades. Sempre que decidiu intervir, Washington, pretextando necessidade de elimina o risco contra a democracia, outra coisa não fez ou ajudou a fazer: substituiu o medo risco das ditaduras de esquerda pela certeza das ditaduras de direita. Brasil e Chile que testemunhem. É preciso cuidado com os espíritos façanhudos do Pentágono.

Sendo assim, visto ser a Venezuela é a bola da vez para a CIA, ainda que ela independa de aportes estratégicos, politicamente a palavra do sucessor do presidente Temer pode pesar. Se ocorrer a consulta, alguém da nova equipe de governo certamente recomendará prudência, tratando-se de um país, como o nosso, que ainda tem as marcas da sinistra passagem de mister Lincoln Gordon por aqui, e do golpe de 64, que em nome do governo de Washington ele ajudou a arquitetar.

O que pensariam nossos candidatos sobre essa iminente aventura? Queixas foram ouvidas, há dias, sobre o desinteresse de seus discursos em elaborar análises e sugestões sobre as relações externas do Brasil. Nada disseram nas entrevistas televisivas. Nem mesmo a grave situação da Venezuela, que respinga e arde em nossas costas, mereceu referência. O que certamente não impede ao Departamento de Estado saber, com segura antecedência, em quem haveria de confiar, caso haja a possível intromissão. Talvez o mesmo saiba e sinta o presidente Maduro, que, acuado e sem espaços para respirar no seu continente, tomou o rumo da China em busca de socorro; um voo que provavelmente tenha ampliado os desagrados da Casa Branca, ante a abertura de mais uma porta para os chineses no lado latino da América.

O Brasil guarda uma tradição não-intervencionista, inspirada no respeito à soberania da nações, mesmo ante a evidência da democracia agonizante; mesmo tendo nas vizinhanças um presidente como Maduro. É uma tradição. Mas o que o futuro presidente deve pensar sobre isso?