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Divergências em bom nível

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As campanhas eleitorais, mormente as que se focam na Presidência da República, sempre deixam alguma coisa a desejar quanto ao nível em que se desenvolvem, seja pela pobreza das proposições dos candidatos, seja pela ausência de um clima de tranquilidade que permita ao eleitorado refletir e decidir sobre os melhores rumos para o futuro do país. Ficam também a desejar, quando descambam para o diálogo desrespeitoso, de ofensas pessoais e idiossincrasias radicalizadas. Nos anos 40 e 50 do século anterior, esses deslizes eram comuns nos grotões do interior, onde imperou o voto de cabresto; supunha-se superados pelo tempo e pelos costumes cada vez mais civilizados.

Na campanha deste ano, ainda que não como antigamente, há senões a considerar, sendo o primeiro deles, sem dúvida, a violência física, uma das caras do terrorismo, o mais indesejável dos atores no cenário do processo eleitoral. O atentado contra um dos candidatos, cuja recuperação ainda inspira cuidados, trouxe a um país de gente pacífica e pacificadora a memória dos tempos do coronelato e das tocaias armadas nos capões das antigas províncias. Como no exterior o que sempre repercute são os defeitos e o mal, raramente o certo e o bom, a imagem brasileira fica comprometida por mais essa ocorrência trágica. Logo após o incêndio do Museu Nacional!

Esperava-se que tão badalado atentado houvesse contribuído para quebrar tensões, até como alerta à precaução, para que os demais candidatos não ficassem expostos a maiores perigos. Mas, para perturbar essa expectativa, informações que chegam de pontos diversos dão conta de discursos que descambam para a linguagem chula e vulgar, a galope nas ofensas pessoais. Há casos em que divergências entre candidatos deixam-se levar por palavreado digno de presídio em manhã de banho de sol. Sendo produto de homens e mulheres que aspiram aos mais altos cargos da administração pública, entristece muito. Porque não é com injúrias e baixo calão que a caminhada brasileira será menos acidentada.

Considerando-se que restam apenas 22 dias para o primeiro embate; sim, o primeiro, diante dos sintomas de um segundo turno inevitável, o desvio de linguagem agressiva deve e pode, perfeitamente, ser substituído por exposição produtiva dos planos de governo e soluções para os problemas nacionais, que são abundantes e agudos. Não haverá de faltar assunto, sobretudo quando se trata de candidatos à Presidência da República e à governadoria dos estados. Até porque, de todas as partes ouvem-se referências queixosas quanto ao que se tem definido como um escasso conteúdo propositivo na campanha. Citam-se dificuldades, mas poucas soluções bem explicadas.

Se o nível desce ao mesmo tempo em que sobem as tensões, num perigoso movimento mercurial, a campanha ganhará sobrevida para levar suas feridas e ressentimentos à política nacional que virá depois, além de afetar a interlocução dos entes institucionais no período governamental seguinte. Desnecessário discorrer sobre as consequências desse problema delicado e ameaçador, pois já as conhecemos de outras invernadas.

Em rigor, constatado o temor de se tumultuarem as últimas horas da disputa, seria lógico esperar que os partidos tomassem a frente da prudência em relação aos delírios de última hora dos candidatos. Mas não há sinais de que essa possa ser sua disposição, pois, para tanta autoridade, teriam de se armar de seus próprios programas; e programa partidário é coisa que passa longe nessa campanha em fim de linha.