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Desafios da Justiça Eleitoral

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Nunca perderam atualidade os fundamentos que em 1932 levaram o governo a estabelecer as bases para a criação da Justiça Eleitoral, obra encomendada pelo presidente Getúlio Vargas, que num 24 de agosto suicidou-se, há 64 anos. Para tanto, havia ele e seus assessores buscado normas similares no Tribunal Tcheco, esse inspirado em Hans Kelsen, com o objetivo de definir algum parâmetro no sistema de escolhas. Mas a ditadura do próprio criador a extinguiu cinco aos depois, num acesso antropofágico que o levou a engolir a própria cria. Haveria de reerguer-se em 1945. Duas décadas depois, voltou a sucumbir ante novo abalo das instituições, com o golpe de 64; e de novo retomando sua plenitude com a redemocratização no pós-generalato.

Superando revezes, avanços e retrocessos, esse braço do Judiciário continuou cuidando da aplicação dos dispositivos que regem o processo eleitoral no Brasil; e é seguro que, se não progrediu mais, nem conseguiu aperfeiçoar-se, o ônus deve caber aos demais poderes, principalmente ao Legislativo, sempre desanimado em retocar uma estrutura que, viciada na obsolescência, por isso mesmo dela repetidamente fazem uso.

Confirmada, na experiência das urnas, sua importância para a sociedade a que serve, outro entre os seus problemas pode ser localizado na ausência de autonomia financeira e na carência de poderes funcionais. Ainda neste ano, para manter as atividades, ela se vê, mais uma vez, obrigada a recorrer a outros setores do poder público, como também a particulares. Um adjutório indispensável, que vai desde o deslocamento de servidores requisitados, até o empréstimo de veículos e material de escritório.

Mas essa não é a questão essencial. Cabe considerar que a Justiça Eleitoral poderia estar em melhores desempenhos, desde que se tornasse livre do caráter casuístico que a legislação lhe impõe. As cores e os rumos das eleições nacionais mudam todo ano, não se consolidam, não têm tempo para lançar raízes, sempre surpreendendo. O que é lamentável, pois muitos dispositivos, quando se revelam frágeis, conduzem à insegurança dos jurisdicionados, e mesmo dos magistrados encarregados de fazê-los cumprir.

As alterações criadas em vésperas de ano eleitoral, gerando o condenável casuísmo, são responsáveis, não pouco frequentes, por turbulências que, de alguma forma, comprometem o debate político. Um estudioso da matéria, professor José Augusto Delgado, fala da importância de linhas definidas para o processo eleitoral. Num ensaio publicado na Revista de Informação Legislativa, sobre a importância de legislação menos sujeita a conveniências do momento, ponderou que ”em decorrência dessa lei permanente, estabelecer uma jurisprudência estável, após decisões trabalhadas pelos tribunais, que buscarão, com certeza, o aperfeiçoamento da lei, dando lugar, ainda, a uma doutrina com princípios definidos”.

No cômputo dos princípios sem claras definições, o eleitorado fica confiado a um manancial de dúvidas. Uma delas, no momento, despertando divergência entre os próprios intérpretes da lei, é a que autoriza, mais ou menos, a um ex-presidente preso inscrever-se candidato, para ser substituído na undécima hora. Sem a discussão do mérito, o que prejudica é a procrastinação, a palavra final sempre adiada. No caso em tela, poder ou não poder, ser ou não ser agora ou depois; eis o conflito que ronda juízes e tribunais.

Ainda recentemente, bem próximo do momento em que os partidos começavam a discutir as candidaturas, não se tinha muita certeza sobre os critérios de financiamento de campanhas, outrora generoso ou corruptor, mas agora oficialmente impedido, o que provoca os colaboradores a descobrir os atalhos, que nunca faltam.


Bom para as eleições do Brasil é que as regras, sem improvisação de última hora, não sejam alteradas no momento em que a partida já vai começar.

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