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O real sob ataque especulativo

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Seguindo a trilha aberta pela lira turca e pelo peso argentino, o real parece ser a bola da vez. Uma alta desenfreada do dólar, desde meados de abril deste ano, vem desafiando o Banco Central. Confrontado com um evidente movimento especulativo, o BC reiniciou, em maio, a venda de swaps cambiais. Mesmo despejando mais de US$ 40 bilhões no mercado, a autoridade monetária não conseguiu evitar a disparada da moeda americana. Houve alta de 25% nos últimos sete meses, sendo que dois terços da escalada ocorreu nos últimos 90 dias. Como o país dispõe de um colchão de reservas cambiais de quase US$ 400 bilhões, surge a dúvida: por que a alta não cessa?

Nossa hipótese é que um “ataque especulativo” se encontra em gestação. Desde abril desse ano, a flutuação da taxa de câmbio tem se dado em uma única direção: para cima. No entanto, preços mais altos deveriam representar desestímulo a compras e incentivo a vendas. É o que prevê a teoria e o bom senso. Porém, não é assim que o mercado de câmbio tem se comportado. De fato, observa-se que a alta da cotação, ao invés de estimular a oferta de dólares, tem incentivado a demanda. Estranhamente, preços mais altos têm atraído mais compradores. Assim, examinar esse comportamento aparentemente anacrônico do mercado ajuda a entender a escalada do dólar.

Analisando o atual movimento de alta, podemos identificar como principal fator responsável pela valorização da moeda americana o chamado “efeito manada”. Esse efeito se caracteriza por “induzir” os investidores a adotar, de forma homogênea, uma mesma postura (todos compram ou todos vendem) diante de um dado cenário. E o cenário eleitoral brasileiro, com a divulgação das últimas pesquisas eleitorais, promoveu esse efeito. Na medida em que aumentou a possibilidade de vitória de um candidato descomprometido com o ajuste fiscal, a busca por proteção cambial se intensificou. Como esse movimento passou a ser replicado por todos os investidores, dado o alto risco que o desajuste representa, esse mecanismo foi deflagrado.

É justamente a emergência desse efeito que fornece as condições para o surgimento do citado ataque. Senão, vejamos: inicialmente, a alta da relação dívida /PIB de um país, aos olhos dos investidores, aumenta a chance de inadimplência da dívida pública. Com isso, se eleva a aversão ao risco associada a essa dívida. Na sequência, a menor disposição ao risco serve de incentivo à compra de dólares, o que, consequentemente, leva a uma alta da moeda americana. Como a alta do dólar produz evidente impacto inflacionário, a alta da taxa de juros se torna mandatória. Essa alta, por sua vez, torna mais custoso o financiamento da dívida do governo, o que piora o quadro fiscal. Como a piora da relação dívida/PIB afeta negativamente a percepção de risco do mercado, põe-se em marcha um mecanismo de “retroalimentação” da alta do dólar. Assim, uma dinâmica “perversa” passa a operar: cotações mais altas passam a “retroalimentar” novos movimentos de alta. E novas altas motivam mais altas, gerando assim uma espiral ascendente de preços. Essa é a razão da alta incessante do dólar nos últimos meses.

Portanto, resta claro que, diante do quadro atual, a crescente fragilidade fiscal é o fator que sustenta a alta do dólar. Uma dívida do setor público que equivale a quase 80% do PIB, sendo que, na média das economias emergentes, essa relação é de cerca de 40%, junto com um déficit primário equivalente a 2% do PIB, são os principais indicadores dessa fragilidade. Nesse contexto é que pode ser interpretado o comportamento “anacrônico” do mercado.

Em resumo, está em gestação um “ataque especulativo” contra o real. Esse ataque se caracteriza por uma situação na qual a disparada do dólar pode ser atribuída essencialmente aos distúrbios fiscais que afligem a economia brasileira. Em termos mais específicos, o “ataque especulativo” se desenrola sob um contexto no qual a dívida do setor público já se encontra em um nível que é desconfortavelmente próximo ao máximo que se acredita ser sustentável às condições compatíveis com o seu pagamento. De fato, com uma trajetória projetada para a dívida pública acima do que parece ser sustentável, o risco-país se eleva a níveis que não mais recomendariam a compra de títulos públicos. Nessa perspectiva, somente um severo ajuste fiscal seria capaz de recompor a capacidade de pagamento da dívida. Portanto, somente o compromisso com o reequilíbrio fiscal poderia barrar o ataque.

* Doutor em Economia; professor da FGV

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