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O tempo do voto e os ventos dos devotos

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Há um tempo para semear e há um tempo para colher, diz Vieira. E há um tempo para agradecer àqueles que nos iluminam os caminhos da verdade. Sou grato aos que nos mostram, involuntariamente, os erros na trilha perversa da ambição, das ideologias neoliberais e da corrupção que nos levam ao desemprego, à fome e ao rebaixamento do Brasil de gigante a pigmeu. O mundo recorda o 15 de setembro de 2008, data sacrílega da vigarice globalizada, quando a avidez de banqueiros internacionais mostrou que a mão invisível do mercado usa a luva do estrangulador. Mas vem de antes a procissão dos cangaceiros da rapina financeira a nos seduzir com cantilenas, poesias e odes de reverência ao novo mundo sem fronteiras do capital espoliativo. E a eles se curvam os acólitos, levados ao controle deste país por brisas mortiças, sopradas de um norte desnorteado. Alquimistas da insensatez ,travestidos de iluminados demiurgos, nos apresentam ôcas e volúveis soluções para o desequilíbrio de contas pÚblicas, muitas delas, neste e em outros países, filhotes bastardos da destemperança de 2018. Não mais que de repente, descobre-se que as polÍticas sociais, amparadas e defendidas por nossa Constituição de 1988, são velhas histórias de ninar crianças. E baixa sobre nós a bruxa da realidade, com sua maçã envenenada a cortar garantias de trabalhadores, a reduzir drasticamente fundos de apoio a desamparados. E a aumentar a mortandade de recém-nascidos, de mães sem cuidados médicos. Desaparecem as farmácias populares e os velhos, lixo ambulante da nação, não sabem se comem e morrem de doença ou se compram remédios e morrem de fome. E sulfurosos guardiães da arca de belzebu propõem privatizar todas as nossas empresas públicas, mesmo as criadas para nos garantir a justiça social, que nos impõe a Constituição. Num ensaio de laboratório, transformam a Petrobras numa empresa fiel aos cânones liberais. Corrige-se o preço interno, em reais, da gasolina e do diesel pelo dólar altaneiro. Promove-se a maior e mais devastadora greve de caminhoneiros do país. O preço do gás de botijão, fonte energética da panela do povo, torna-se inacessível e voltamos a consumir lenha e carvão. Que comam brioches, diria a madre inspiradora.
Demos graças aos beneméritos que nos mostram a janela do inferno. Por mais que digam que não há alternativas, sabemos muito bem aonde nos levam ideologias totalitárias.
Demos uma olhada no mundo, onde se espalha a peste neoliberal: ainda ontem vimos uma Suécia escapar por pouco de uma tomada do poder por partidos neofascistas. Logo a Suécia, que até pouco nos encantava com suas políticas sociais. Olhem o que se tornou a Hungria. Vejam a ladeira que desce o Reino Unido com o seu Brexit e outras tentativas de desfazer políticas privatistas que minam seu corpo social. E a Grécia? A Espanha? A Itália da ex-democracia cristã com seu nível de desemprego e paradoxo político. A União Europeia, em geral, vivendo um “balança, mas não cai”, com seus quase semanais protestos de ruas, suas carnificinas xenofóbicas. Até mesmo nas terras do rei sol, Macron, e da abelha rainha, Merkel. E os Estados Unidos promovendo, numa linguagem de botequim, guinadas na ordem internacional, que criaram, renegam e se apressam em demolir. Não falemos da Turquia, mas impossível não chorar por ti, Argentina, país vizinho que tanto admiramos, fingindo rivalizar. Novamente nos braços deste Fundo Monetário que, mais uma vez, depois de tantas outras, leva Buenos Aires querida para mais um “paso doble” de protesto. Tu, Argentina, que nada de mal fizeste, senão seguir à risca o receituário neoliberal.
Na hora do voto, lembremo-nos dos devotos dessa ideologia neoliberal, prima-irmã do neofascismo. Violência se combate com desenvolvimento econômico. Com escolas. Com crianças bem nutridas e professores competentes. Com um Estado indutor do desenvolvimento, não sócio do derrotismo nem timorato diante da rapinagem. O Brasil se faz, refaz ou se desfaz com o voto. O seu voto.

* Ex-embaixador do Brasil na Itália (e-mail: [email protected])