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Urbanização da pobreza

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Quando se observam as imagens noturnas emitidas pelos satélites em órbita, pode-se avaliar realisticamente como o nosso planeta vive o seu maior processo de urbanização de todos os tempos. Milhões de pontos de luz formam imensas manchas brilhantes sobre a superfície terrestre, em contraste com a escuridão da noite e do universo. Prevê-se que até 2050, 6,3 bilhões de pessoas viverão em cidades, o que significa 67% da população mundial.
Essa mudança demográfica radical, num período de somente um século, poderá avançar na direção de um desenvolvimento sustentável e socialmente igualitário ou no aprofundamento da miséria e da degradação ambiental. Até aqui, apesar dos erros e acertos, melhoramos muito em relação aos nossos antepassados. As luzes que iluminam o globo terrestre, em contraponto ao breu de épocas ancestrais, confirmam, de forma eloquente, como muito evoluímos em direção a um mundo que desejamos e precisamos melhorar ainda mais. A presença da humanidade no planeta tem conseguido estabelecer a conexão entre o passado e o presente, a despeito do pessimismo de alguns.
A industrialização que trouxe progresso para as sociedades também produziu desequilíbrios sociais e ambientais. A urbanização da pobreza, sem dúvida, é uma das consequências. Outra é a poluição industrial. Para ambas existem remédios, amargos para aqueles que detêm o capital e que, comandados pela lógica do lucro acumulativo, gênese das grandes crises deste último século, não se dispõem a aceitar que os direitos coletivos se sobreponham aos interesses privados.
A história mostra que as sociedades avançam, recuam, alternam momentos de lucidez com os de cegueira. É dessa contradição entre movimentos opostos que os conflitos instalados podem se resolver.
Hoje, o nosso país vive historicamente uma de suas maiores crises políticas, sociais e institucionais. O processo eleitoral ora em curso evidencia a violência verbal e física que mascara a falta de propostas para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.
É preciso apostar no desenvolvimento inclusivo. À população não basta participar somente pelo voto nas eleições, mas atuar permanentemente na decisão, controle e acompanhamento da implementação das políticas públicas, que pode resultar num golpe mortal nas velhas estruturas oligárquicas e partidárias que insistem em manter privilégios, compadrios e o controle das máquinas públicas. Isto significará construir uma democracia moderna, aberta, direta, participativa, em que o Estado funcione como polo aglutinador dos cidadãos, privilegiando sempre o pensamento e os anseios coletivos. Há que se ter coragem de enfrentar e lutar pelo novo, ele sempre é transformador, pois, ao romper com o anacronismo, abre a possibilidade de um futuro melhor para todos.
O Brasil é um país profundamente desigual. Hoje, 50 milhões de brasileiros, 1/4 da população, vivem abaixo da linha de pobreza, com renda familiar mensal equivalente a R$ 387,07, segundo dados do IBGE. A pobreza e a miséria nas áreas urbanas atingem níveis críticos em função da rápida urbanização do país. As nossas cidades não estavam preparadas para a intensidade desse fluxo migratório interno, impedindo, assim, de garantir à população serviços públicos, moradia digna e trabalho para todos.
A questão central posta para a nação é como enfrentar os problemas deste Brasil urbano, em que as cidades se transformaram em barris de pólvora alimentados pela violência, cuja origem remonta ao processo crescente de exclusão social e espacial que gera a intolerância que contamina toda a sociedade.
Quem postular governos, tanto os estaduais como o federal, precisa apresentar propostas novas, criativas, factíveis, que tragam avanços e não retrocessos para a solução dos problemas sociais e econômicos. Chega de mais do mesmo! Um novo projeto político de nação tem de ir ao encontro da afirmação da dignidade e da generosidade presentes no espírito da nossa gente, principalmente dos mais humildes, incansáveis construtores diuturnos do caráter da nossa nação.

* Arquiteto e urbanista