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Um único tom de cinza nas próximas eleições

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Passadas as convenções partidárias, a questão que emerge no cenário político é qual será a tendência do brasileiro quando for às urnas nas eleições de outubro.
Como em todo processo eleitoral, dois vetores fundamentais deverão nortear o voto: informação sobre a origem e o perfil dos candidatos e avaliação do conteúdo de suas propostas. Mas, diferentemente de outros pleitos, nesta rodada que se aproxima esses vetores deverão apresentar novas configurações.
No Brasil e no mundo há um crescente processo de radicalização do pragmatismo no processo de escolha eleitoral, na obtenção de informação sobre a trajetória dos candidatos e na busca por soluções imediatas para os anseios da sociedade.
A proliferação das fake news é fruto de uma sedutora perspectiva de encurtar o tempo gasto no processo de prospecção, análise, checagem e divulgação da notícia. A busca pelo novo sancionou a primazia da velocidade sobre a qualidade.
Apesar de uma certa saturação do fenômeno das notícias falsas, seja pela inconsistência comprovada das informações, seja pela reação das mídias tradicionais com campanhas de esclarecimento, ou ainda pela ação coercitiva do poder público, é esperado que nas próximas eleições as fakes não sejam uma onda passada.
Para além do pragmatismo midiático, o eleitor deverá buscar respostas simples e imediatas aos seus anseios. Essas demandas deverão levar a inesperadas composições de propostas sobre diferentes temas. O nível de ansiedade que tomou conta do cidadão permite que se adote um combo de soluções que, ponto a ponto, façam algum sentido imediato para a sociedade, ainda que sejam, em seu conjunto, incompatíveis à luz do espectro ideológico tradicional.
Mais do que construir uma nova concepção ideológica ou buscar soluções intermediárias entre oponentes, o pragmatismo contemporâneo busca combinar, às vezes com radicalismos, soluções à direita ou à esquerda, de acordo com o nível de aceitação ou tolerância do público. O anseio pela novidade, aliado ao pragmatismo e à fragilidade dos partidos políticos tradicionais, permitirá que candidatos “outsiders” ou “inovadores” possam combinar, por exemplo, propostas como a legalização do aborto com a redução da maioridade penal. Ou ainda um amplo programa de privatizações com a tributação sobre fortunas e a ampliação dos gastos sociais.
Longe das soluções de fato inovadoras ou intermediárias, que em outros tempos apontavam para o caminho do centro, veremos o surgimento de uma resultante central composta por um estranho agregado de proposições antagônicas. É possível pensar num amplo programa de reformulação da segurança pública às custas do estabelecimento de um teto para a rolagem da dívida interna? Ou na privatização do setor elétrico e da Petrobras como caminho para recompor o SUS? Agora, tudo parece possível.
O fenômeno da resultante central esteve presente nas últimas eleições na França, quando Emmanuel Macron viu a possibilidade de estabelecer uma nova relação na política francesa, substituindo os partidos tradicionais por alianças com os extremos. De modo semelhante, logo após a eleição de Donald Trump, o mundo presenciou um inesperado apoio do senador democrata Bernie Sanders à imposição de sobretaxas às empresas americanas que transferissem suas atividades para o exterior.
Na Espanha, parece extinta a alternância no poder entre os partidos tradicionais de esquerda e de direita que predominou desde a redemocratização. Algo semelhante parece estar em curso em praticamente todo o Leste Europeu com o ressurgimento das forças antidemocráticas. Por fim, na Itália, os populistas voltam à cena após a acachapante derrota do Partido Democrata no último pleito.
A escolha do próximo presidente do Brasil será consequência da eficiência midiática dos candidatos – principalmente para evitar rapidamente a disseminação das fake news – e da capacidade de oferecer um conjunto de proposições que se aproxime dos desejos mais imediatos do eleitor.
No museu de grandes novidades da política brasileira, os partidos tradicionais, que certamente dominarão o próximo parlamento, buscam o caminho do centro a fim de obter vários tons de cinza. Enquanto isso, seus representantes na corrida presidencial tentam oferecer alternativas de preto ou branco, de acordo com o tema. O desafio do próximo governo será o de criar uma reidentificação social que torne viável, num único tom de cinza, a resultante central de diferentes combinações de preto ou branco.

* Professor de Economia e Política da ESPM-Rio