ASSINE
search button

Transformação no setor de automóveis – de indústria a serviços 

Compartilhar

A divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) de 2017 desencadeou mais uma rodada de discussões sobre a situação da indústria brasileira. A questão que se coloca, porém, é até que ponto é possível discutir a situação do setor e políticas industriais olhando para o passado. 

Vejam o caso da indústria automotiva. Ano a ano, governo a governo, à esquerda e à direita, o setor é objeto de novas medidas de incentivo, muitas delas focadas em aquecer o consumo. Ignoram que o mercado está mudando e que, pelas contas do Morgan Stanley, em 2030, 26% das viagens serão realizadas em carros compartilhados (contra 4% em 2015). 

Uma pesquisa recente realizada pela AAA, a famosa American Automobile Association, mostrou que 51% dos millennials, a geração que está em torno dos 30 anos, não teriam medo de andar em um carro autônomo. Mesmo entre as gerações mais velhas, o receio vem diminuindo. Em um ano, o número de motoristas que teriam medo caiu de 78% (quase 8 em cada dez) para 63% (6 em 10), de acordo com o estudo. 

Joseph Schumpeter (1883/1950), ao desenvolver o conceito de “destruição criativa” mostrou como o aparecimento de uma tecnologia ou o desenvolvimento de processo de inovação cria uma mudança estrutural e definitiva na oferta e uma janela de oportunidades para a reciclagem de empresas e padrões dominantes de tecnologia. O problema é que, muitas vezes, as pesquisas com consumidores apontam um caminho, mas a disrupção é tão profunda que surge uma inovação que ninguém esperava. A seleção de padrões tecnológicos vencedores gera ganhos de quase-monopólio para quem descobre qual o caminho da inovação.   

Há elementos que nos permitem formular a hipótese de que a indústria automotiva encontra-se no limiar de um ciclo de grandes transformações, com impactos de igual magnitude sobre vários ramos da economia. Serão afetadas indústrias de automação, informática e processadores, telecomunicações e telefonia, atividades de gerenciamento e armazenagem de dados, infraestrutura urbana, rodoviária, transporte de pessoas e cargas, venda e comercialização de autos, intermediação e corretagem, prestação de serviços de segurança e atividade de seguros em grande escala. A regulação estatal também terá que ser modificada, como já ocorre no segmento de transporte de passageiros com os novos aplicativos.

Tal transformação pode aumentar as receitas do setor em mais de 70% até 2030, segundo a consultoria McKinsey. O faturamento alcançaria US$ 6,7 trilhões, contra os atuais US$ 3,8 trilhões. Mais de 50% do incremento viria de novos serviços, entre os quais o compartilhamento. 

De hardware a software 

Artigo publicado recentemente pela consultoria Mckinsey mostra que o número de linhas de códigos de programação (SLOCs, do inglês software lines code) contidas nos veículos mais modernos aumentou mais de 15 vezes entre 2010 e 2016, passando de 10 milhões para 150 milhões. A estimativa da consultoria é que isso continue crescendo. 

O design dos novos veículos deve ser mais padronizado. Por outro lado, será orientado para se converter em plataformas de serviços, nos quais a experiência dos usuários é o mais importante e decorre da capacidade do automóvel de gerar dados, processar de forma conjunta com aqueles gerados por outros veículos e pelas redes, e tomar decisões com auxílio de soft wares de Inteligência Artificial. 

A nova geração não quer dirigir 

A pesquisda de AAA não levantou o que pensa a geração Z, que sucede os millennials e hoje está na faixa dos 20 anos, podendo dirigir tanto nos EUA como no Brasil. Mas é provável que, se perguntasse, descobriria um crescente desinteresse pela propriedade e condução de automóveis, objeto de desejo das gerações passadas.  Os dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) mostram que o número de primeiras habilitações caiu 20% entre 2014 e 2017 e está 13% menor que em 2008. A queda ocorre em praticamente todos os estados. Além disso, o número de motoristas habilitados também diminui em todas as faixas etárias e não apenas entre a geração que cresceu com os aplicativos de táxi e que tem na prática do compartilhamento um de seus principais valores.