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Jogada de mestre?

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O presidente Michel Temer inflado por seu marqueteiro, em um de seus momentos “iluminados”, decidiu fazer uma intervenção militar no Rio às pressas, de constitucionalidade duvidosa, sem qualquer planejamento, por motivos claramente políticos e chegou a chamar a iniciativa de uma “jogada de mestre”. Ensaiou inclusive, em função desta suposta vitória política, uma candidatura à presidência da república. Só que ainda não disponibilizou um real para a equipe de segurança e os resultados apresentados até agora são pífios. 

O Observatório da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, formado por uma rede de instituições coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, atesta no seu último relatório que os “dois meses sob intervenção chocam pelos números da violência, pelo descontrole da atuação policial, ausência de programas, metas, recursos e transparência”.

Além de uma série de implicações institucionais de altíssima relevância, a tal jogada envolve o que mais deveria importar na agenda de segurança pública: vidas. 

Informação qualificada para avaliar e monitorar. Para começar, precisamos de dados críveis, detalhados e territorializados, que hoje estão disponíveis, graças à revolução tecnológica pela qual passou recentemente o Instituto de Segurança Pública (ISP).

Os números fechados de fevereiro e março mostraram que crimes contra a vida cresceram ou permaneceram estáveis nos patamares mais altos dos últimos anos. Foram 940 homicídios, 209 pessoas mortas pela polícia. Impressiona a dispersão de números entre as regiões. A taxa média de homicídios no estado em 2017 foi de 40,3 por 100 mil. A da capital foi de 32,6, enquanto na Baixada Fluminense -área de maior risco e que merece um olhar especial- a taxa atingiu 62,3.

Uma grande preocupação de mais longa data é a escalada do número de mortes de civis pela polícia. Mais de mil casos foram registrados em 2017, indicando um retorno acelerado de políticas de segurança baseadas em tolerância à violência policial e à corrupção. 

Tal como propõe o relatório, “a redução desse indicador e a implantação de políticas baseadas em inteligência, e não em mortes, de civis ou de policiais, deve ser um compromisso de qualquer iniciativa de reorganização da segurança pública no Rio de Janeiro”. 

Cabe ressaltar ainda a preocupação com a Lei 13.491, que transferiu para a Justiça Militar a competência do julgamento de crimes cometidos por profissionais das Forças Armadas na intervenção.   

Para compor uma base de informação qualificada, precisamos também de outras fontes de dados e análises que incorporem o saber local não extraído das estatísticas oficiais. A plataforma colaborativa Fogo Cruzado - que registra tiroteios e violência armada e faz parte do Observatório - registra os dados online e atesta que os tiroteios, balas perdidas, pessoas feridas e mortas e casos de chacinas (três ou mais mortes num único evento) aumentaram desde a intervenção, que ocorreu no dia 16 de fevereiro. 

O número de tiroteios aumentou de 1299 para 1502 dos 2 meses pré para os dois meses pós intervenção. Já foram 16 chacinas com 63 mortos e o número de policiais mortos desde a intervenção aumentou para 28 no dia 10 de maio. 

O relatório apresenta também os relatos das vidas reais que estão por trás dos números, famílias devastadas e uma sociedade traumatizada com casos chocantes de violência. Só quem tem sua casa invadida por militares, ressarcido o direito de ir e vir, parentes honestos presos ou mesmo assassinados sem menor chance de esclarecimento dos crimes, sabe como é essa dura realidade. Só traz mais indignação e violência, num círculo vicioso que se alimenta moto contínuo. 

A intervenção representa um modelo de segurança pública baseado nos confrontos e ações midiáticas, que vem se mostrando ineficaz nas últimas décadas. Vivemos uma desigualdade estrutural grande demais para conseguir conter a escalada da violência com um único gesto, uma tacada de mestre. 

Um plano efetivo de segurança cidadã para o próximo governo deve conter - além obviamente da garantia do respeito aos direitos humanos e democráticos - uma meta de redução das desigualdades territoriais em termos de acesso a serviços públicos e oportunidades de geração de renda. O tema da descriminalização das drogas tem que ser abordado a nível nacional, além da reestruturação institucional das polícias.