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Governo e empresários unidos no apoio à PEC 241 (ou 171?)

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Por 23 votos a 7, a Comissão Especial formada para dar um parecer sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, de autoria do Poder Executivo, aprovou-a e ela seguirá imediatamente ao Plenário da Câmara dos Deputados. Como se sabe, trata-se da PEC do teto dos gastos públicos, que visa instituir um Novo Regime Fiscal no país, congelando o aumento real das despesas governamentais através de uma norma de reajuste que vinculará o montante do recurso despendido apenas à variação da inflação do ano anterior. Essa medida é impactante e muito polêmica. O campo de forças progressistas, na sociedade e nos partidos, a rejeita, mas defende-a uma sólida coalizão sociopolítica e político-institucional reunindo empresários de todos os setores de atividade, do mercado financeiro aos industriais, e a ampla base governista no Congresso Nacional.

O que está em questão na PEC 241 é o conflito distributivo em relação ao orçamento público envolvendo, sobretudo, os três principais atores do sistema social, o Estado (por meio das elites políticas e da burocracia pública), o capital e o trabalho. O governo Temer e o conjunto dos capitalistas estão unificados no discurso de que a retomada do crescimento requer “gastar apenas o que se ganha”, conforme diz o documento “Teto de gastos é remédio indispensável”, publicado como matéria paga nos grandes jornais no dia 9, assinado por dezenas de organizações de classe dos industriais; ou reduzir “gradualmente o descompasso entre receitas e despesas”, segundo as palavras de Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, em artigo também publicado no dia 9. Para fazer isso, o comboio liberal-conservador quer cortar drasticamente os gastos primários, destinados às políticas sociais, desmontando por 20 anos o compromisso com o estado de bem-estar oriundo da Constituição de 1988 e que nem sequer ainda foi devidamente honrado. Ao erradicar fortemente as políticas de desmercantilização, pelas quais os trabalhadores e outros estratos sociais de baixa renda acessam direitos de inclusão para contrabalançar minimamente as injustiças do mercado, a coalizão neoliberal quer, muito mais do que promover o ajuste fiscal, instituir o Estado mínimo no país.

Fazer isso com uma nação profundamente marcada pela desigualdade social significa enfrentar a crise econômica pelo desabamento do teto da estrutura de relações de poder sobre a cabeça dos mais pobres, que perderão ainda mais o acesso aos serviços públicos já insuficientes. O Brasil avançará no caminho do darwinismo social, da sobrevivência dos mais aptos, sem nenhuma garantia de que o crescimento sustentado virá, pois o regime fiscal em curso e ainda mais o que se quer implementar fomentam a crise, a recessão.

Essa pretensa solução pró-ricos tem sido o grande programa do neoliberalismo desde o seu surgimento. As políticas fiscais de Margareth Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos EUA, basearam-se em amplo corte de impostos e diminuição dos gastos sociais. No entanto, desde então, com a generalização dessas medidas e outras, como a desregulamentação dos mercados, as privatizações e a redução dos salários diretos, nunca mais a média de crescimento da economia mundial ultrapassou os 5%, pois as políticas adotadas têm operado no sentido de incentivar a especulação financeira, e não a acumulação de capital através dos investimentos produtivos. Alguns dados sobre uma variável apenas, embora importante: de 1962 a 1966, o crescimento médio da economia mundial foi acima de 5%; de 1980 a 1982, caiu de 1,96% para 0,51%; em 1983 e 1984, cresceu, mas no máximo até 4,56%; de 1988 a 1991, caiu novamente de 4,62% para 1,36%; de 1991 a 1997 teve uma trajetória de crescimento, no entanto, alcançando apenas 3,75% ao final desse período; de 2008 a 2009, houve a Grande Recessão, levando a um resultado negativo, cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir (consultar bit.ly/1lRakVX).

Mas a alegação das elites políticas e econômicas que defendem a PEC 241 é que a substantiva redução dos gastos com saúde, educação, assistência social, saneamento básico, agricultura familiar, ações contra a seca, políticas de gênero, cota racial, enfim, liberará mais recursos disponíveis para o setor privado investir na retomada do crescimento, promoverá redução da dívida pública e da taxa de juros. O setor privado reclama que está sobrecarregado com os impostos para financiar a gastança governamental e que a dívida pública é alta, enquanto o governo federal alega que há uma crise fiscal estrutural. Embora com algumas variações, desde 1994, quando o Plano Real estabilizou a escalada inflacionária, a abordagem contracionista da política fiscal tem estado na agenda pública e há todo um alarmismo dos economistas neoclássicos e interesses rentistas em relação a esse assunto e um silêncio cínico sobre um dos principais ralos da verdadeira gastança. Na verdade, a emergência da hegemonia da política fiscal restritiva vem desde o governo Collor. Sua lógica é servir à ciranda financeira dos investidores domésticos e estrangeiros com os títulos públicos, na qual os próprios industriais também estão envolvidos. Devido à crise, ao acirramento do conflito distributivo e à necessidade de disciplinar a nação em relação à primazia da austeridade, a ofensiva da ganância, embalada no impeachment, vem com unhas e dentes.

Em artigo recente, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que está longe de ser um adepto do keynesianismo vulgar, pois critica o populismo fiscal, afirma: “os economistas liberais [...] inventaram uma crise fiscal ‘estrutural’, embora o orçamento público tenha se mantido razoavelmente equilibrado entre 1999 e 2012, e propuseram uma brutal redução do tamanho do Estado”. Criticando a PEC 241, propõe uma alternativa a ela: a aprovação de “uma emenda que estabeleça um limite para despesa pública em termos de porcentagem do PIB, usando-se como parâmetro a porcentagem verificada nos últimos dois anos”. Mas note-se outra singularidade na proposta dele: “Toda a despesa pública estaria nessa porcentagem, inclusive os juros pagos”.

O grande estelionato embutido no Novo Regime Fiscal é não haver teto para o pagamento dos juros, para a transferência de recursos públicos da totalidade dos contribuintes para as mãos dos rentistas e das instituições financeiras. A taxa básica de juros tem sido sistematicamente alta no Brasil, desde 1991, o que é uma “corrupção” bilionária e desavergonhadamente legal que o Estado propicia aos que capturam a política macroeconômica. As políticas monetária e fiscal estão em desvio de função. A primeira eleva os juros a níveis extraordinários e a outra garante a distribuição da remuneração aos investidores. Uma política que é, na verdade, do interesse de uma minoria é defendida como se servisse ao interesse geral. O verdadeiro número dessa PEC é 171. (Precisarei me ausentar por duas semanas.)

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.