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A proposta de plebiscito sobre novas eleições presidenciais

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Após o Senado Federal aceitar o pedido de impeachment, resultando no afastamento de Dilma e na posse do governo interino, alguns parlamentares e atores da sociedade civil, preocupados com o motivo formal duvidoso em que se baseia o afastamento da presidenta (irregularidades fiscais), com suas consequências negativas para a democracia brasileira e com a insatisfação generalizada da população com as instituições representativas, têm defendido a proposta de realização de um plebiscito para a população decidir se quer realizar novas eleições presidenciais. Mas essa proposta estaria condicionada à não condenação de Dilma pelo Senado. Ela voltaria ao governo, mas comprometida com o plebiscito.

A viabilidade prática dessa proposta de plebiscito parece remota, pois, na perspectiva dos agentes econômicos, prolongaria a manutenção do país em estado de espera, e, em relação aos atores políticos, precisaria ser aprovada pelo Congresso Nacional, onde a coalizão de sustentação do presidente interino possui ampla maioria, sendo que a ideia em questão não é apoiada pela base governista, pelo contrário, ela a rejeita. Porém, há um atenuante importante. Se, em decorrência do acordo do plebiscito, o impeachment não passasse no Senado, restaria aos parlamentares deixarem Dilma governar até 2018 ou convocarem a consulta ao eleitorado.

Mesmo assim, defender o plebiscito pode ser uma perspectiva de ação para o campo progressista, direcionada aos senadores, tanto a Renan Calheiros, que já admitiu essa opção, como à minoria que tem dúvida sobre o impeachment. Em tese, a proposta sintetiza uma resposta virtuosa à conjuntura política: o reconhecimento da crise de legitimidade que corroeu o governo Dilma, vazou para o governo Temer e há alguns anos atinge o Legislativo e os partidos; evitaria a percepção de que houve um uso casuístico da Lei do Impeachment e remeteria ao soberano, o povo que elegeu a presidenta, a decisão sobre o futuro de seu governo. Isso é muito melhor do que trocar a preciosíssima regra da maioria, a contagem dos votos nas urnas, por um impeachment duvidoso, iniciado e conduzido, até sua autorização, por um presidente da Câmara dos Deputados altamente envolvido em corrupção, fato que seria inaceitável em qualquer democracia séria.

A ideia seria realizar o plebiscito junto com as eleições municipais desse ano. Segundo a última pesquisa da CNT/MDA, 62,4% defendem o impeachment em curso. Provavelmente a maioria do eleitorado votaria a favor de novas eleições em 2017. A Folha de S. Paulo noticiou que, após conversar com Lula, Vagner Freitas, presidente da CUT, organização que rejeitou o plebiscito, vai recolocar a proposta em discussão na entidade.

Como diz o aforismo popularizado por Voltaire, o perfeito é inimigo do bom. Defensores envergonhados do impeachment, como é o caso de alguns intelectuais, prefeririam que tivesse havido renúncia ou cassação de Dilma pelo TSE. Por outro lado, pelo andar da carruagem, os contrários ao afastamento dificilmente conseguirão reverter a tendência predominante de aprovação do impeachment pelo Senado. Só com um milagre a presidenta poderá voltar ao Palácio do Planalto.  O acordo do plebiscito seria esse feito extraordinário.

Entre a imperfeição de um impeachment duvidoso – muito aquém do bom e bem na fronteira entre o ruim e o péssimo – e o ideal de um mandato eleitoral presidencial sem interrupção, a conjuntura sugere um equacionamento intermediário. Para tirar a democracia brasileira do risco de retrocesso, pela infidelidade às regras do jogo, e instabilidade institucional perseverante, a defesa do plebiscito pelos progressistas pode ser uma última tentativa de sinalização no sentido de salvar o regime popular tão caro à nação do relativo naufrágio prematuro de sua legitimidade. Que os progressistas mostrem aos vivos e à história terem ido até o limite para evitar a mácula conservadora na bandeira da democracia, produzida em pleno século XXI, no país com a principal economia e sociedade civil da América Latina.

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researche Associate da Universidade de Oxford.