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Reação do PT

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Governo e partido governista não são a mesma coisa, sobretudo em contexto de disfunção do presidencialismo de coalizão, uma característica da crise brasileira em curso desde 2015. Embora o PT seja o principal partido governista, a política econômica de austeridade fiscal e monetária, iniciada na gestão fazendária de Joaquim Levy, tem gerado desconforto entre o partido e o Executivo ou, mais amplamente, entre a base social de suporte a Dilma e o programa governamental, implementado sob forte ofensiva neoliberal e conservadora. Para tentar alterar a relação de forças desfavorável, o PT, que completa 36 anos de existência, acaba de propor à nação um programa econômico emergencial, de conteúdo social-desenvolvimentista. A agremiação considera que a troca do ministro da Fazenda desinterditou o debate sobre os rumos da economia.

O Programa Nacional de Emergência foi aprovado pelo Diretório Nacional, que também discutiu a conjuntura. Avalia-se que a ofensiva conservadora, apoiada na Operação Lava Jato, plena de procedimentos de legalidade duvidosa, compromete o ambiente democrático e o Estado de Direito. Em uma das resoluções, que critica as tentativas de depor Dilma, criminalizar Lula e o partido, lê-se o seguinte: “para barrar de vez a ofensiva antidemocrática, o governo e o PT precisam recompor laços políticos e sociais com nosso bloco histórico de sustentação, formado centralmente pelos trabalhadores do campo e da cidade, setores médios da sociedade, empresários em contradição com o grande capital internacional, a intelectualidade progressista e a juventude”. Ou seja, o PT está tentando reorganizar as forças da coalizão sociopolítica de conteúdo social-desenvolvimentista entre trabalho e capital produtivo que, em certa medida, suportaram as transformações realizadas a partir de 2003.

O programa alternativo, na contracorrente neoliberal, é peça-chave da iniciativa de reação petista. Ele possui três pilares: redução das transferências financeiras do Estado para grupos privados; mudanças tributárias progressivas; ousado plano de investimentos públicos e expansão dos gastos sociais. No primeiro pilar, a política mais importante é a redução da taxa de juros, uma vez que seu elevadíssimo patamar resulta em imensa transferência de recursos para rentistas e instituições financeiras e inibe a atividade produtiva.

Em relação à tributação progressiva, a ideia geral visa “associar a higidez fiscal do Estado com aumento de impostos sobre o capital e os cidadãos mais ricos, desonerando relativamente os salários, o consumo essencial, os brasileiros mais pobres e as camadas médias”. É amplamente sabido que, no Brasil, a incidência de impostos sobre o consumo é bem maior do que sobre a renda, respectivamente, 43% e 21% do total arrecadado, o que difere bastante da estrutura tributária dos países ricos. Nas nações que compõem a OCDE, a taxa média de tributação sobre o consumo é de 33%. Quem mais se prejudica com isso são os situados abaixo do topo da pirâmide social. Essa injustiça precisa ser revertida. Obviamente, o bloco neoliberal e o conjunto das elites econômicas não tocam nesse tema. O PT propõe também a retomada da cobrança de impostos sobre a distribuição de lucros e dividendos das empresas, eliminada em 1995, no governo FHC, a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e a progressividade na cobrança do Imposto Territorial Rural.

Em relação ao pilar do investimento público, o programa evoca o papel histórico do Estado brasileiro de vanguarda da formação bruta de capital fixo, seja como investidor direto, parceiro minoritário ou majoritário ou na condição de agente indutor da inversão privada, nacional, estrangeira ou associada, ao tomar decisões e viabilizar projetos. O documento propõe “recuperar a geração de emprego e renda, especialmente com a aceleração de planos para infraestrutura, habitação e saneamento”. Uma precondição para a viabilização de recursos financeiros para investimentos é a mudança nas políticas monetária e tributária. O partido admite, polemizando com a perspectiva da austeridade fiscal, que sua proposta pode implicar em “alguns anos de aumento programado e transparente da dívida interna, desde que o destino de novos déficits seja a recuperação econômica do país”. Sugere também, a partir da melhoria nas contas externas, “a utilização de parcela das reservas internacionais em investimentos públicos, associada a recursos do orçamento corrente e créditos internacionais”. Em linhas gerais, o modelo retoma características fundamentais da política de desenvolvimento implementada no governo Lula, que combinou estabilidade, crescimento, aumento da taxa de investimento e da oferta de crédito, dinamização do mercado interno e políticas sociais. Em relação a esse último ponto, o partido propõe reajuste de 20% nos benefícios do Bolsa-Família.

O grande problema do PT é ser efetivamente capaz – na atual conjuntura de crise e ofensiva conservadora multidirecionada, nas frentes econômica, política, jurídica e ideológica – de colocar em movimento forças sociais e institucionais que banquem seu esboço de reação. A disputa é entre dois modelos de capitalismo. A crise brasileira já é um fato histórico marcante, mas ainda está em curso. Partidos têm feito a história nas democracias, até mesmo na contracorrente, como a própria trajetória do aniversariante PT exemplifica. Mas eles também têm entrado em crise em muitos países. A saída do impasse em que o PT se envolveu parece ser difícil, ao menos em curto prazo, mas depende da retomada do bloco social-desenvolvimentista, para que a demanda por um novo padrão de políticas governamentais penetre, com participação social e organicidade, as instituições do Estado (Presidência, ministérios, Conselhão, Legislativo etc) e se converta em decisões anticíclicas. Desempregados, mal remunerados, aposentados, empresários em dificuldade, endividados, enfim, anseiam uma situação melhor. 

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researche Associate da Universidade de Oxford (Latin American Centre)