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PMDB e o futuro

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Em 17 de novembro, terça-feira passada, a Fundação Ulysses Guimarães (FUG), vinculada ao PMDB e presidida pelo ex-governador e ex-ministro Moreira Franco, realizou um congresso para discutir o documento intitulado “Uma ponte para o futuro”, publicado em 29 de outubro. O documento e o evento, embora formalmente não representem diretamente o Diretório Nacional do partido, que adiou sua convenção para março de 2016, marcam um passo na trajetória recente do PMDB no sentido de aumentar o grau de autonomia relativa em relação ao governo Dilma Roussef e ao PT e, ao mesmo tempo, de se apresentar como uma alternativa à sociedade brasileira para a superação da crise econômica e política. Lideranças do PMDB, como o senador Romero Jucá (RR), têm dito que o documento da FUG será uma referência programática tanto para a próxima convenção nacional do partido, que deverá debater sobre sua permanência ou saída do governo Dilma, como para as eleições municipais do ano que vem. 

Moreira Franco é aliado político do vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, que incentivou a elaboração da visão peemedebista de futuro, com nítido conteúdo liberal. “No Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em déficits elevados, e a tendência do endividamento do Estado, tornou-se o mais importante obstáculo para a retomada do crescimento econômico.” A ponte para o futuro desse grande partido, qualificado por cientistas políticos como catch-all (pega-tudo), condena o passado recente, atribuindo ao governo Dilma I a responsabilidade pela crise fiscal. Além disso, critica Dilma 2, governo no qual ocupa sete ministérios, pela manutenção do país na inércia e imobilidade política. “Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado.”

Feito o diagnóstico fiscalista, entre as principais propostas do documento para alcançar “um novo regime fiscal, voltado para o crescimento” e para tornar o ambiente econômico mais competitivo para as empresas destacam-se as seguintes:  a) criação de “um novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações e a implantação do orçamento inteiramente impositivo”; ou seja, as vinculações constitucionais e indexações de salários, benefícios previdenciários etc seriam extintas, o que, obviamente, passa pela aprovação de emendas constitucionais, mas também pelo estabelecimento de um limite legal para as despesas públicas de custeio; b) “orçamento com base zero”, isto é, “a cada ano todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios”; c) implementação da idade mínima para a aposentadoria, já existente no regime dos servidores públicos, também no regime geral do INSS; d) arrecadação de um montante de superávit primário suficiente para, em um primeiro momento, interromper a trajetória de crescimento da dívida pública e, em seguida, propiciar a sua redução; e) ajustar a taxa de inflação para o centro da meta de 4,5% (por meio da austeridade fiscal e monetária), o que, junto com o controle orçamentário, deverá resultar em uma taxa de juros mais próxima das existentes no mundo desenvolvido; f) execução de “uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”; g) ampliação da política comercial para todas as regiões relevantes do mundo, com ou sem os parceiros do Mercosul, embora preferencialmente com eles.

Nos últimos meses, várias forças sociais e políticas têm formulado ideias para tirar o país da crise. O Brasil está sendo debatido e seu rumo político está em disputa. O PMDB, que não lança candidatura à presidência da República desde 1994, está também entrando no debate de projetos e movimenta-se ou para lançar candidatura própria em 2018, ou para se fortalecer nas eleições de 2016 e chegar na sucessão presidencial com melhor capacidade de influenciar nas alianças políticas que ocorrerão. 

Pelo conteúdo do documentado brevemente descrito, o movimento do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que perdeu muito de sua força centrípeta com a retomada da democracia, vai no sentido de dialogar com o empresariado nacional, no qual possui bases desde os anos 1970. É um movimento que se desloca da centro-esquerda, espectro ideológico em que se situa sua aliança com o PT, para o centro e, quem sabe, para a centro-direita, a depender de variáveis ainda não configuradas, como a retomada de uma aliança com o PSDB, conforme ocorreu nas eleições presidenciais de 1998. Apesar da fragmentação, uma liderança tem tentado costurar certa unidade nesse partido: Michel Temer.

PSDB, PT e agora PMDB tentam se colocar como partidos com um projeto capaz de promover o desenvolvimento capitalista no Brasil. O PSDB fracassou no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e, nas quatro últimas eleições, o PT venceu. Por outro lado, sobretudo desde meados de 2012, Dilma passou a perder apoio no meio empresarial e, no primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, os donos do dinheiro se dividiram entre as candidaturas tucana, da Rede Sustentabilidade e da petista, esta última prejudicada não só pelo crescimento baixo e pelas opções de política econômica, mas pelo escândalo da Operação Lava Jato. Dilma venceu, mas os capitalistas impuseram a ela uma política econômica de austeridade. 

Uma lição que se pode extrair desses fatos é a seguinte: o partido ou aliança de partidos (incluindo as classes e frações que dão respaldo), seja de direita, centro ou esquerda, que for capaz de promover o padrão de capitalismo que mais se adeque, por um lado, à lógica da acumulação de capital e, por outro, às demandas políticas do eleitorado por emprego, renda, serviços públicos de qualidade e por um sistema político republicano, com menos corrupção, tende a se fortalecer na política nacional. Mais do que poder de voto, os capitalistas têm poder de veto e poder público sobre as decisões políticas. Não só a ponte para o futuro do PMDB passa pelo capitalismo, a do PSDB e PT, também. Devido à histórica desigualdade da sociedade brasileira, a esquerda se faz necessária para impulsionar um padrão de capitalismo que promova a dupla incorporação do desenvolvimento nas democracias, via mercado e políticas sociais. Sem a esquerda, a lógica da acumulação tende a ser perversa, especialmente nesse tempo histórico de globalização neoliberal.

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e VisitingResearcherAssociate da Universidade de Oxford (Latin American Centre)